Um pequeno cigarro enrolado ali mesmo na roda de amigos foi o começo da destruição da vida de Érik Moitinho, 32. Na época, aos 25 anos, ele estava acostumado a fumar maconha e, quando recebeu o baseado, não sabia que estava misturado com crack. Era o seu primeiro contato com o mesclado, mas foi o suficiente para torná-lo dependente. A mistura de crack e maconha não é novidade no Brasil, mas vem se disseminando entre os usuários e já é motivo de preocupação das autoridades mineiras. Embora não haja estatísticas sobre o consumo dessa mistura no país, a psicofarmacologista Solange Nappo, pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que mais de 20% da maconha que circula no Brasil, atualmente, é destinada à confecção do mesclado.
Segundo a pesquisadora, cerca de 70% dos usuários de crack de São Paulo utilizam a droga vinculada à maconha ou ao álcool. Ela destaca, ainda, a forte utilização do mesclado na Bahia e no Rio de Janeiro. O subsecretário da Secretaria Antidrogas de Minas Gerais, Clóves Benevides, afirma que a mistura também já chegou a Minas, mas garante que, no Estado, esse consumo ainda é reduzido. "Os números de apreensão de mesclado são baixos, mas a questão é preocupante, e, por isso, teremos um olhar diferenciado para ela".
Em Belo Horizonte, clínicas de recuperação lidam com um número alto de pacientes que utilizaram o mesclado. Na Associação Família de Caná, que trata de dependentes químicos no Estado, cerca de 70% dos pacientes faziam uso da mistura. O coordenador, Zilton Alves da Silva, especifica que o uso é comum entre homens e mulheres. "Dos 80 homens internados atualmente, 57 fumavam as duas drogas juntas e metade das 12 mulheres também aderiu à mistura", afirma. No Centro de Recuperação de Dependência Química (Credeq), a situação é a mesma. Segundo o presidente, Wellington Vieira, das 60 pessoas internadas hoje na instituição, 48 eram usuárias da mistura de crack e maconha - 80%.
Érik, que veio da Bahia, foi um dos pacientes que chegaram ao Credeq com grande experiência no uso do mesclado. Segundo ele, depois de provar a mistura, o vício foi imediato, e, em pouco tempo, sua vida já havia mudado completamente. Ele era casado, fazia faculdade de turismo e trabalhava como vendedor de carros, mas nada disso resistiu às drogas. "Comecei a gastar todo o meu dinheiro para comprar droga, não saía mais com os amigos e só queria ficar em casa fumando. Além disso, emagreci uns 10 kg", diz.
Érik conta que tinha um salário alto, chegando a receber cerca de R$ 5.000 quando as vendas tinham maior sucesso. O mundo veio abaixo quando ele teve a última de suas perdas: o casamento. "Minha mulher, na época, tentou me ajudar, mas não adiantava. Quando ela saiu de casa é que percebi que precisava de internação", ite o ex-vendedor.
Por indicação de um familiar, Érik veio se tratar em Belo Horizonte, onde diz ter encontrado a saída para o vício. Ele ou por um tratamento intensivo durante seis meses e, há um ano e meio, trabalha na clínica como voluntário. Ele ainda não sabe quando voltará à Bahia, mas se diz satisfeito ajudando outras pessoas com o mesmo problema que ele enfrentou. Para ele, o trabalho na clínica reafirma sua vitória. "Eu não posso esquecer o mal que a droga me fez, nem é possível resgatar tudo o que perdi. Mas minha vida mudou e posso fazer tudo novo daqui para frente", destaca.