A terceirização da gestão do hospital Maria Amélia Lins (HMAL), na região Centro-Sul de Belo Horizonte, apesar de só anunciada na última sexta-feira (7 de março), já estava nos planos da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) durante os quase três meses de fechamento do bloco cirúrgico da unidade. Uma fonte ligada a um órgão do Estado informou à reportagem de O TEMPO, em anonimato, que, em fevereiro, um dos diretores do HMAL confessou o plano de entregar a istração do hospital. Enquanto a Fhemig reafirmava a realização de uma obra e negava os boatos de terceirização, os servidores do bloco operatório e os pacientes foram transferidos para o Hospital João XXIII, o que sobrecarregou o pronto-socorro com mais 230 cirurgias por mês. Agora, a Fhemig pode ser processada. 

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O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) enviou, nesta quarta-feira (12 de março), um ofício à Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) questionando o Estado sobre o real motivo da interdição do bloco cirúrgico do HMAL e solicitando os relatórios de engenharia e manutenção. No documento, a 19ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde requer documentos que comprovem “a necessidade urgente ou emergencial de suspensão das atividades do centro cirúrgico” e que a obra “ensejava a paralisação integral do equipamento, sem possibilidade de realização parcial, por sala”.

De acordo com a promotora de Justiça de Defesa da Saúde, Josely Ramos Pontes, a investigação busca garantir que a Fhemig não tenha negado atendimentos de saúde pública apenas para agilizar o processo de terceirização do hospital. Relatos da equipe de saúde durante a interdição denunciam que, repetidas vezes, cerca de metade das cirurgias do HMAL foram canceladas no João XXIII, sem previsão para reagendamento.

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“O perito do Ministério Público, após a vistoria no Amélia Lins, identificou que não era preciso parar o centro cirúrgico para fazer aquela obra. Nós vamos investigar essa obra, relatório por relatório. É de uma irresponsabilidade absurda tirar um equipamento de saúde da capital do Estado, que segura muita demanda do interior, para abrir um edital descaradamente. Além de ser desleal com o servidor, que acreditou na normalização do hospital”, afirma a promotora. 

Josely argumenta que, apesar de o governo de Minas defender que não houve perda assistencial durante o fechamento do Amélia Lins, a sobrecarga de demandas urgentes de ortopedia na rede SUS-BH em janeiro — que levou à suspensão total de procedimentos eletivos por duas semanas — evidencia os impactos da interrupção do bloco cirúrgico do hospital. “amos por um momento absurdo de demanda por ortopedia em dezembro e janeiro, no mesmo período em que o centro cirúrgico estava fechado. O Estado afirma que o João XXIII conseguiu absorver toda a demanda, mas, então, notamos outro problema: o pronto-socorro poderia ser melhor utilizado, assim como o Amélia Lins”, disse.

De fato, dados da Secretaria de Estado de Saúde mostram que, em janeiro deste ano, com o bloco operatório do Amélia Lins fechado, a equipe do João XXIII realizou 1.026 cirurgias. No mesmo período de 2024, os dois hospitais juntos fizeram 918 procedimentos, uma redução de 10%. O Ministério Público busca garantir a continuidade dos serviços do HMAL, como o ambulatório, até que o novo gestor assuma, em abril. No entanto, terá que enfrentar a decisão da Fhemig, que, nessa terça-feira (11 de março), determinou a transferência de todos os servidores ainda nesta semana. 

“Nós temos uma fila de cirurgias em BH. Só em ortopedia, são cerca de 4 mil pacientes. O Amélia Lins tem uma obrigação legal, política e assistencial de manter um serviço contínuo. O problema já está evidente: o João XXIII está lotado, com macas nos corredores. Não se pode fechar o hospital à espera do novo gestor”, afirma a promotora de Justiça de Defesa da Saúde, Josely Ramos Pontes.

A Fhemig tem até cinco dias para responder ao ofício e, em caso de resposta insuficiente ou irregular, a 19ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde entrará com ação judicial contra o Estado.

Secretário de Saúde defende o edital de terceirização como inovação 523dv

Apesar do ofício do Ministério Público, o secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), Fábio Baccheretti, mantém a posição de que o João XXIII tem capacidade para assumir toda a demanda do Amélia Lins, viabilizando a terceirização do hospital de apoio. “É importante reforçar que não há redução na capacidade de cirurgias de urgência. Pelo contrário, estamos realizando mais procedimentos. Não é porque o bloco cirúrgico do HMAL não está funcionando agora que os pacientes estão esperando atendimento. Eles sempre esperaram. O que estamos fazendo é concentrar as demandas em um único hospital, o que melhora nossa eficiência”', afirmou.

Segundo Baccheretti, mesmo com a transferência dos servidores para o pronto-socorro, a residência médica em ortopedia será mantida, e os pacientes de urgência terão uma estrutura hospitalar “mais robusta” no João XXIII. Ele argumenta que, por ser a primeira vez que um hospital da capital a por terceirização, é natural haver resistências.

“O Amélia Lins continuará atendendo pelo SUS. Não estamos ferindo os preceitos do sistema. O MPMG tem, sim, o papel de garantir o uso correto do recurso público, e eu asseguro que estamos aumentando a eficiência do João XXIII enquanto realizamos mais cirurgias eletivas. Esse posicionamento específico da promotora é histórico e faz parte da atuação dela. Mas nosso foco no governo de Minas é atender mais usuários, e não vamos abrir mão disso”, declarou.

A terceirização do HMAL 2f3w6e

Com a terceirização, o governo estadual pretende tornar o HMAL em um hospital exclusivamente cirúrgico e para demandas eletivas. A entidade privada ou consórcio que vencer o edital assumirá o imóvel e os equipamentos gratuitamente em abril, podendo implementar mudanças no espaço caso desejar.

A nova gestão ficará responsável por contratar os novos trabalhadores de saúde que vão operar pacientes encaminhados de toda a rede SUS e não só do João XXIII, como acontece hoje. Ou seja, os funcionários não serão servidores públicos. A expectativa do Estado é que, com a chegada do parceiro, o número de cirurgias realizadas na unidade dobre, chegando a cerca de 480 procedimentos mensais.

O que diz a Fhemig?  4a2t1o

Sobre o ofício do MPMG, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) afirma que, “em respeito a divisão dos Poderes, quando oficiada, se pronunciará ao Ministério Público e prestará todos os esclarecimentos necessários”.

A Fhemig afirma que a proposta do “novo” Hospital Maria Amélia Lins (HMAL) tem como objetivo ampliar a realização de cirurgias eletivas em Minas Gerais. “No caso do novo HMAL, o edital exige atuação 100% SUS e a realização de cirurgias de alta e média complexidade”, diz. Sobre a fiscalização do edital de seleção e do novo gestor, a Fhemig alega que , “considerando a atuação 100% SUS da pessoa jurídica selecionada, o que implica na utilização de recursos públicos da política pública de saúde, tanto o Tribunal de Contas como o Ministério Público são agentes habilitados para realizar a fiscalização das atividades do novo gestor do HMAL. A FHEMIG acompanhará as atividades da pessoa jurídica selecionada principalmente com base nos parâmetros contidos nas minutas dos termos de cessão do imóvel e de doação dos bens móveis.”