O Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais (CES-MG), instância deliberativa do Sistema Único de Saúde (SUS), oficiou o Estado solicitando a suspensão imediata do edital de terceirização do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), na região Centro-Sul de Belo Horizonte, nesta quinta-feira (13). O CES-MG alega que a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) desrespeitou a Constituição ao não apresentar previamente a proposta de entrega da gestão do HMAL a uma entidade privada sem fins lucrativos ou a um consórcio de saúde. A decisão foi anunciada diretamente em coletiva de imprensa na última sexta-feira (7), sem ar por discussão com outros representantes do SUS — como profissionais de saúde, usuários e prestadores de serviço —, o que, segundo o conselho, viola o princípio da participação social. O secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti, no entanto, defende que a definição do modelo de gestão hospitalar é uma prerrogativa “exclusiva do Executivo”.
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No ofício ao qual O TEMPO teve o, o CES-MG cita trechos da Constituição Federal para sustentar que as decisões do SUS devem seguir os princípios de “participação popular, impessoalidade e transparência”. No entanto, segundo o conselho, essas diretrizes foram ignoradas quando o governo do Estado "escondeu" a decisão de terceirização desde o fechamento do bloco cirúrgico do hospital, em dezembro, sob a justificativa de manutenção de equipamentos. A suspeita de sucateamento intencional para entregar a gestão do Amélia Lins é reforçada por uma investigação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que deu cinco dias para a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) se manifestar, sob risco de ser processada.
De fato, uma fonte ligada a um órgão do Estado informou sob anonimato que, em fevereiro, um dos diretores do HMAL já havia confessado o plano de entregar a istração do hospital. “Deixaram os equipamentos deteriorarem para justificar que o poder público não consegue gerir o hospital e, assim, entregá-lo à iniciativa privada. Pela Constituição, as leis que regem o SUS (8.080 e 8.112) permitem a participação da iniciativa privada nas ações do Sistema Único de Saúde, mas apenas como parceira complementar, e não como responsável pela atividade fim, como está sendo feito com a entrega da gestão”, afirma a presidente do CES-MG, Lourdes Machado.
Ao reprovar o edital de terceirização do Amélia Lins, o conselho também solicita o cancelamento de todas as transferências de servidores para o Hospital João XXIII e pede o retorno dos trabalhadores ao HMAL. Os servidores do bloco cirúrgico já estão operando no Pronto-Socorro desde janeiro. O secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti, que também ocupa o cargo de 3º secretário do CES-MG, tem 30 dias para homologar o ofício.
A presidente do conselho, Lourdes Machado, afirma que, caso ele não o faça, o próprio CES-MG pode realizar a homologação, por ser um órgão propositivo e deliberativo. Embora a declaração esteja juridicamente correta, segundo o especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e pesquisador da Fiocruz Minas, Fausto Pereira dos Santos, outras interpretações têm prevalecido no Judiciário. “Por isso, provavelmente, será um caso de judicialização”, analisa.
Baccheretti garante que o edital de terceirização do HMAL será mantido. “O conselho faz parte da governança do SUS, mas a decisão sobre o formato de gestão é exclusiva do Executivo. Eles podem, sim, fazer resoluções e fiscalizar se estamos seguindo as políticas públicas de saúde. E o Amélia Lins continuará atendendo pelo SUS. Não estamos ferindo em nada os preceitos do SUS”, afirma.
Outros editais da Fhemig já foram suspensos por ações de sindicato; Estado também enfrenta Ministérios e TCE
Se a suspensão do edital de terceirização do Amélia Lins for confirmada, não será a primeira vez que a Fhemig perderá uma ação. Em dezembro, o Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCE-MG) embargou a transferência da gestão hospitalar da Casa de Saúde São Francisco de Assis, em Bambuí, no Centro-Oeste, para uma entidade privada sem fins lucrativos. O órgão analisou denúncias de sindicatos da área da saúde e concluiu que o processo não comprovava “maior eficiência e economicidade na transferência de gestão”. Além disso, apontou que o valor estimado do contrato, superior a R$ 51 milhões, representava risco de irregularidade “concreta e grave”.
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O TCE-MG também acompanha a transferência de gestão do HMAL, em Belo Horizonte. O órgão realizará uma reunião com o Ministério do Trabalho e Emprego em Minas Gerais nesta segunda-feira (17 de março) para alinhar possíveis medidas sobre o caso. Desde janeiro, a Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais (SRT/MG) tem promovido encontros com a Fhemig e os servidores, em meio ao fechamento do bloco cirúrgico do hospital. Paralelamente, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) conduz uma investigação sobre as decisões da SES-MG em relação ao Amélia Lins.
“Foram quase quatro meses de reuniões. Tudo leva a crer, desde a interrupção do bloco operatório, que o governo já tinha tomado essa decisão de terceirizar, mas não comunicou em nenhum momento. Parece uma estratégia. Por isso, eu convidei outros órgãos para participarem dessa mediação, o Tribunal de Contas e o Ministério Público, porque são muitas nuances. Eu permaneço acompanhando a transferência dos servidores”, diz o superintendente do MT em Minas, Carlos Calazans.
Apesar da oposição dos órgãos fiscalizadores, o governo de Minas segue defendendo as terceirizações e as parcerias público-privadas (PPPs). “O Ministério do Trabalho tem que garantir as condições de trabalho para o servidor, e isso está sendo feito. Os servidores continuam com todos os direitos, sem qualquer dano. O MPMG tem que fiscalizar o recurso público de melhor uso, e estamos aumentando a eficiência do João XXIII e produzindo mais cirurgias eletivas. É um movimento que tem que ser feito. Não podemos condenar as PPPs, as terceirizações, por experiências de outros Estados. Em Minas, estamos fazendo tudo certo e fiscalizado”, afirma o secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti.
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A terceirização do HMAL
Com a terceirização, o governo estadual pretende tornar o HMAL em um hospital exclusivamente cirúrgico e para demandas eletivas. A entidade privada ou consórcio que vencer o edital assumirá o imóvel e os equipamentos gratuitamente em abril, podendo implementar mudanças no espaço caso desejar.
A nova gestão ficará responsável por contratar os novos trabalhadores de saúde que vão operar pacientes encaminhados de toda a rede SUS e não só do João XXIII, como acontece hoje. Ou seja, os funcionários não serão servidores públicos. A expectativa do Estado é que, com a chegada do parceiro, o número de cirurgias realizadas na unidade dobre, chegando a cerca de 480 procedimentos mensais.
O que diz a Fhemig?
"A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) e a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) esclarecem que o Conselho Estadual de Saúde faz parte da governança do Sistema Único de Saúde (SUS), mas que a decisão sobre o formato de gestão é exclusiva do Executivo. Cabe ao Conselho fazer resoluções e fiscalizar as políticas públicas de saúde.
Vale reforçar que o Hospital Maria Amélia Lins continuará atendendo 100% SUS. A prioridade é garantir o funcionamento pleno e eficiente do serviço de saúde, em conformidade com as diretrizes do SUS e com respeito às instâncias de controle social.
A Fhemig e a SES-MG reafirmam a disposição para discutir eventuais preocupações e buscar soluções que beneficiem a população mineira."
Sobre o ofício do MPMG, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) afirma que, “em respeito a divisão dos Poderes, quando oficiada, se pronunciará ao Ministério Público e prestará todos os esclarecimentos necessários”.
A Fhemig afirma que a proposta do “novo” Hospital Maria Amélia Lins (HMAL) tem como objetivo ampliar a realização de cirurgias eletivas em Minas Gerais. “No caso do novo HMAL, o edital exige atuação 100% SUS e a realização de cirurgias de alta e média complexidade”, diz. Sobre a fiscalização do edital de seleção e do novo gestor, a Fhemig alega que , “considerando a atuação 100% SUS da pessoa jurídica selecionada, o que implica na utilização de recursos públicos da política pública de saúde, tanto o Tribunal de Contas como o Ministério Público são agentes habilitados para realizar a fiscalização das atividades do novo gestor do HMAL. A FHEMIG acompanhará as atividades da pessoa jurídica selecionada principalmente com base nos parâmetros contidos nas minutas dos termos de cessão do imóvel e de doação dos bens móveis.”