LITERATURA

Livro sobre Nova Hollywood destaca um dos momentos mais criativos do cinema americano

Escrita por Humberto Pereira da Silva, obra mostra como os gêneros se transformaram a partir da década de 1960

Por Paulo Henrique Silva
Atualizado em 13 de maio de 2025 | 15:36

Clássico do cinema e um dos mais importantes filmes sobre máfia já feitos, influenciando várias produções que se seguiram, "O Poderoso Chefão" (1972) teria um outro resultado se Francis Ford Coppola levasse em consideração cada interferência dos executivos da Paramount. O estúdio havia vetado inicialmente os nomes de Marlon Brando e Al Pacino, que interpretam os dois principais "capos" da trama, baseada em livro de Mario Puzo, além de querer colocar um freio às improvisações de Coppola, que inflavam o orçamento.

"As escolhas de Coppola são capitais, no enfrentamento com os executivos da Paramount, para termos "O Poderoso Chefão" como efetivamente o vemos. Na Hollywood Clássica teríamos um filme completamente diferente", observa Humberto Pereira da Silva, autor do e-book recém-lançado "Gêneros Cinematográficos e a Nova Hollywood" (Editora Mnemocine). Professor da FAAP, em São Paulo, e crítico de cinema, ele disseca um dos principais movimentos do cinema americano e que revelaria nomes como William Friedkin e George Lucas.

Com a crise do "star system", em que todo o processo de realização era controlado com mão de ferro pelos estúdios, a partir do final da década de 60 surgiram vários filmes autorais, que conseguiam retrabalhar os gêneros à sua maneira. "Filmes em que a marca do diretor, a autoria, a a ter uma importância que quase não teve no cinema norte-americano anterior. Fundamentalmente, o diretor não é na Nova Hollywood um funcionário na organização verticalizada de um estúdio", destaca Silva. 

Confira a entrevista abaixo:

Você prefere não chamar essa nova publicação de livro. Por que?

Há uma razão de fundo, que acompanha meu trabalho não só na crítica de cinema, mas principalmente no meu trajeto como professor de Filosofia e de História do cinema: o sentido que damos às palavras e como essas mesmas palavras, no confronto com o “outro”, flutuam, assumem sentidos diversos. O que é um livro e o que é um e-book? Essa é a questão de fundo que deixo para o leitor refletir. Por que essa questão, aparentemente sem importância, para mim é oportuna com a publicação de "Gêneros Cinematográficos e a Nova Hollywood"? Porque noto como as editoras divulgam suas publicações em livros (impressos) e e-books (virtuais). Nessa separação, uma hierarquia, e nessa hierarquia e-book é algo como um irmão bastardo. E como irmão bastardo, por mais que se queira o mesmo tratamento, sempre haverá uma onda difusa percutindo essa origem biológica.

Como essa nova publicação não terá versão impressa, um livro, faço questão de acentuar: então, que o leitor terá em “mãos” tão somente o irmão bastado, ou seja, o e-book. Essa razão de fundo, por sua vez, traz outra questão que, em meu ambiente de trabalho, como professor, vejo com tristeza para quem se formou quando não existia internet: em algum momento nos próximos anos os livros impressos serão substituídos por “livros virtuais”.

"Gêneros Cinematográficos e a Nova Hollywood" tem como leitor-alvo, primordialmente, estudantes de cinema ou de jornalismo com trânsito no cinema. Constatação: meus alunos não leem “livros” e, em sentido totalmente inverso, são ávidos pelo que é publicado na internet. Há, portanto, uma mudança de comportamento geracional – é assim que percebo em não poucos anos de estrada – e que me leva a optar por uma publicação “virtual” em vez de “impressa” e ressaltar que escrevi um e-book e não um livro. Talvez eu tenha leitores para um e-book. É uma aposta.


A Nova Hollywood foi determinante para marcar o declínio do star system nos Estados Unidos?

Com essa pergunta, uma boa ocasião para exercitar o sentido das palavras, no caso a expressão “star system”. O sistema de estrelato, star system, em sentido amplo acompanha Hollywood desde os primórdios. Basta ver como se comportam as “estrelas” hollywoodianas na festa do Oscar. Não é casual que imediatamente antes do Oscar para melhor filme, que fecha a premiação, sejam anunciados os prêmios para melhor atriz e ator. Simbolicamente, para mim, isso mostra como o estrelato mobiliza a indústria de cinema.

Mas, então, em sentido estrito, o star system declina com o fim do controle que os grandes estúdios detiveram sobre a produção, distribuição e exibição a partir do final da década de 1940. MGM, Paramount, Warner, 20th Century Fox, RKO, Universal, Columbia, United Artists mantinham atores e atrizes sob rígidos contratos e assim, por décadas, sustentaram o sistema de estrelato.

Com a perda do controle que esses grandes estúdios tinham, já na década de 1950 atores e atrizes, as estrelas, aram a ter mais flexibilidade na de contratos para a realização de filmes. Agora, sim, o que permaneceu como um moribundo star system, os resquícios da era anterior, foi pulverizado por uma nova geração de atores e atrizes que despontou com a Nova Hollywood. O modo como se impam Warren Beatty e Faye Dunaway, para ficar nesses dois e no emblemático "Bonnie & Clyde", é totalmente distinto do que houve na era dourada do "star system".


Os gêneros foram alterados ao longo da história devido ao aparecimento, principalmente, da tecnologia. O que a Nova Hollywood proporcionou para esta mudança?

O cinema é um “fenômeno” de cultura de massa extremamente complexo. Os caminhos para entendê-lo são cheios de armadilhas e vias tortuosas. Os monumentais e exaustivos manuais de história do cinema cobrem quase que invariavelmente os “filmes marcantes”, “diretores representativos”, os movimentos de cinema e, com atenção talvez mais contida, a “evolução” da linguagem cinematográfica.

Fenômeno de cultura de massa complexo? Ora, penso, por vezes, na história econômica do cinema, na história da recepção crítica de filmes, na história social, que diz respeito à relação entre um filme e os espectadores. Mas, sim, nessa diversidade de caminhos que se abrem, a história da relação entre inovações tecnológicas e a produção cinematográfica. No que se refere a questões essenciais de fundo, a agem do silencioso para o sonoro é um assunto para mim até certo ponto protocolar. E, óbvio, está longe de se imaginar, hoje, uma discussão profunda sobre o uso de computação gráfica, Inteligência artificial, CGI e coisas assim no que está sendo feito.

No que diz respeito especificamente à tecnologia, o que se tem no momento da Nova Hollywood é uma possibilidade de filmar com câmeras mais leves, com som direto, o que facilitava a realização de filmes mais artesanais, em locações naturais, sem a parafernália de um estúdio, com equipes reduzidas. Nessas condições, abrem-se possibilidades criativas antes difíceis. Essas possibilidades criativas para filmagens, por sua vezes, acarretará numa maior flexibilidade no tratamento dos chamados “filmes de gênero” consagrados pela Hollywood Clássica.


Também foi determinante para este novo quadro a perda do controle de todas as etapas da cadeia cinematográfica pelos estúdios, não é verdade?

O fim do sistema de estúdios, uma engrenagem que concebia o cinema como linha de montagem da indústria automobilística, o fordismo, acarretou igualmente o fim do sistema de estrelato. Isso ocorreu no final da década de 1940, quando os estúdios perdem o controle de todas as etapas de produção de um filme. Os filmes controversos, transgressivos em sintonia com a as questões sociais do tempo e anseios da juventude concebidos com a Nova Hollywood estão indissoluvelmente atrelados ao fim do “controle de produção” da época do sistema de estúdios. Com isso uma boa exemplificação do movimento dialético da história, com suas contradições. No meio da década de 1970 com a chegada dos blockbusters, Tubarão de Spielberg, o espírito Nova Hollywood cede a uma nova realidade, na qual, com sentido diferente, os executivos de Hollywood am a controlar os caminhos de chegada de filmes de altíssimos orçamentos para um público bastante amplo, em escala global. 


De que forma a televisão contribuiu para o crescimento do cinema independente?

A chegada da televisão aos lares norte-americanos na década de 1950 é um acontecimento crucial no comportamento da classe média. E esse “fenômeno” de comunicação de massa se refletirá decisivamente na maneira de se fazer cinema. Ou, ainda, a presença da televisão afetará o cinema em diversos níveis. Muitos diretores, roteiristas, atores, atrizes, executivos de Hollywood migraram para a televisão em meados da referida década.

Criou-se, então, um vácuo que foi preenchido com o estabelecimento de inúmeras companhias cinematográficas independentes. Essas companhias - a mais produtiva e determinante foi a American International Pictures, conduzida por Roger Corman - tiveram um papel importantíssimo no impulso do cinema independente no início dos anos 60 e, na sequência, para a Nova Hollywood. Agora, sim, o crescimento do cinema independente a partir de meados da década de 1950 está atrelado à presença da televisão nos lares norte-americanos tanto quanto no declínio do controle do sistema de produção dos grandes estúdios de Hollywood.  


Qual filme marca o início da Nova Hollywood?

Como em qualquer momento da história, de qualquer história, há infindas polêmicas entre historiadores, pesquisadores, estudiosos ou mesmo aficionados sobre marcos iniciais. No caso da Nova Hollywood, de qualquer forma, o ano de 1967 é quase que por consenso reconhecido como o marco para o surgimento da Nova Hollywood, pois nesse ano foram realizados "Bonnie & Clyde" e "A Primeira Noite de um Homem. Esses dois filmes, para a maioria dos estudiosos, impulsionaram a Nova Hollywood.


O retrato cru da sociedade, frente a um efervescente período de grandes mudanças culturais, é o elemento que melhor distingue o movimento?

HS – Sim, perfeito. Então, a Guerra do Vietnã, a luta pelos direitos civis, a contracultura, o movimento feminista, a insatisfação com os valores do mundo burguês, o conflito de gerações, tudo isso foi determinante para o surgimento da Nova Hollywood. Mas, importantíssimo considerar. Nesse ambiente cultural e politicamente efervescente, o fim do Código Hays, que regulou a produção cinematográfica em Hollywood desde o início dos anos 30 até 1968. Com o fim do código, temas como a violência visceral, a abordagem da sexualidade, mesmo a sátira ou o protagonismo de personagens negros que eram vetados, aram a ser tratados de modo explícito. O fim do código, assim, é um dos fatores determinantes para que os temas controversos nos filmes da Nova Hollywood fossem abordados.


Quais são as principais características que tornam a Nova Hollywood tão singular?

Filmes em que a marca do diretor, a autoria, a a ter uma importância que quase não teve no cinema norte-americano anterior. Fundamentalmente, o diretor não é na Nova Hollywood um funcionário na organização verticalizada de um estúdio. As escolhas de Francis Ford Coppola são capitais, no enfrentamento com os executivos da Paramount, para termos "O Poderoso Chefão" como efetivamente o vemos. Na Hollywood Clássica teríamos, se tivemos, um filme completamente diferente. 

Em questão anterior, você fez menção a um “retrato cru da sociedade”. Esse, sim, um aspecto característico dos filmes da Nova Hollywood: exibir sem retoques complexidades humanas, ambivalências de comportamento, traumas, o grotesco e explosões de violência no cotidiano. Como decorrência, filmes crepusculares, melancólicos, nebulosos, nostálgicos, satíricos, com finais geralmente abertos e uma mensagem subliminar para levar o espectador a refletir sobre o mundo em que vive.

Só para ilustrar com exemplo para mim emblemático: qual a mensagem por trás da morte violenta de Dennis Hopper e Peter Fonda na sequência final de "Sem Destino"? Eles, que  são a visão de liberdade cruzando o país com suas motos, ficaram no meio do caminho. De tocaia, os setores conservadores estavam a postos para impedi-los. Mesmo que Hopper negasse veementemente isso que escrevi, é isso que vi e com certeza outros teriam outras “leituras”. Esse o sentido que Umberto Eco dá à uma Obra aberta em seu livro sobre o assunto.


Quais são os principais filmes da Nova Hollywood?

Essa pergunta me fez pensar numa tradução que estou fazendo de uma longuíssima entrevista do crítico francês Jean-Baptiste Thoret para a Abraccine Traduções. Na entrevista, Thoret, conhecido principalmente pelos livros que escreveu sobre o cinema norte-americano, afirma que o assunto Nova Hollywood não se esgotou porque só se fala nos 50 filmes mais celebrados.

Na resposta dele, fiquei impressionado com a quantidade destacada: 50 filmes mais celebrados. Ao contrário dele, eu sou bastante comedido quando tenho presente o quesito quantidade. Mas, os principais para mim, ou que tenho guardado quando penso na Nova Hollywood, confino nos seguintes: "Bonnie & Clyde", "Sem Destino", "Perdidos na Noite", "Operação França", "O Poderoso Chefão", "Taxi Driver", "Um Dia de Cão", "Todos os Homens do Presidente", "Rede de Intrigas", "O Franco Atirador". Esses dez, cada qual com uma temática bem demarcada, para mim comportam os 40 restantes aludidos por Thoret e além.