Audiovisual

Plataforma brasileira e aplicativo trazem obra completa de Federico Fellini

Diretor italiano tem centenário de nascimento comemorado neste ano e esteve à frente de clássicos como A Doce Vida e 8½

Por Raphael Vidigal
Publicado em 23 de março de 2020 | 17:01

A Itália vive dias tristes, assolada pela pandemia do coronavírus que já deixou mais de 5 mil mortos no país. Para quem quiser fugir das notícias calamitosas que invadem os noticiários dia e noite e, de quebra, ar uma obra profundamente ligada à existência humana e suas contradições, uma boa dica é celebrar o nascimento de um dos maiores cineastas de todos os tempos. 

A Itália de Federico Fellini (1920-1993), cujo centenário é comemorado este ano, é muito mais prazerosa e alegre do que a atual, embora não esteja imune às suas próprias tragédias. Porém, como o mundo que o cineasta quase sempre explora é o da memória, o registro traz algo de lúdico e, porque não dizer, onírico, com a liberdade que só a lembrança é capaz de oferecer. 

Os 23 filmes dirigidos por Fellini podem ser vistos no Now, aplicativo disponível nos canais por da Net e da Claro, e no Looke, plataforma brasileira de streaming lançada em 2015, ao valor de R$ 19,90 por mês. A exceção é "Boccaccio '70", produção coletiva de 1962, na qual Fellini dirigiu um episódio. Os outros dois filmes coletivos que trouxeram a contribuição do diretor estão lá. São eles "Amores na Cidade" (1953) e "Histórias Extraordinárias" (1968), baseado em contos de Edgar Allan Poe. 

No primeiro, Fellini dirige o segmento chamado "Agência Matrimonial", que traz um jornalista à procura de uma notícia insólita. Para tanto, inventa uma história ainda mais maluca, com direito até a lobisomem no enredo. Mas o desfecho é mais melancólico do que supõe a sinpose, como, aliás, todos os demais capítulos da película, com exceção do último, abertamente machista e impensável no mundo de hoje, dirigido por Alberto Lattuada, sobre como os homens observam (e perseguem) as mulheres nas ruas de Roma. 

Lattuada, por sinal, aparece creditado como diretor ao lado de Fellini na estreia do futuro "maestro" na direção, por mera formalidade. "Mulheres e Luzes” (1950), ainda que sob a forte influência do movimento neorrealista italiano, apresenta um Fellini em estado puro. A trama mostra uma aspirante a atriz que faz de gato e sapato um típico artista mambembe, sem um tostão furado no bolso, que perambula por ruas e estradas vendendo a única coisa que ele tem para oferecer: magia e ilusão. Inebriado de amor, o tal artista abandona ninguém menos que Giulietta Massina, mulher de Fellini, para depois ser abandonado pela ambiciosa aspirante a vedete.

Outra obra desse período, “Os Boas-Vidas” (1953) narra os desencontros de um jovem casal que une os laços matrimoniais por obrigação quando a mulher fica grávida. Ao observar o cotidiano de cinco rapazes que detestam trabalhar em uma cidade interiorana, Fellini revisita e recria a Remini de sua juventude, pequena província onde nasceu. Se os comportamentos aparecem anacrônicos e superados, principalmente na relação entre homem e mulher, a capacidade do diretor em tornar saborosa uma história banal salta aos olhos.  

Da década de 50, ainda se destacam os clássicos “A Estrada da Vida” e “Noites de Cabíria”. A partir dos anos 60, com “A Doce Vida” e “8½”, Fellini assumiria um estilo tão inconfundível quanto pessoal, colocando em primeiro plano os sonhos e fantasias de uma vida imaginada por meio da memória.