AMOR INTERGERACIONAL

Por que o relacionamento de mulheres mais velhas com homens jovens ainda é estigmatizado?

Pequisa mostra que relações intergeracionais são mais felizes no âmbito privado, mas enfrenta preconceitos na sociedade

Por Laura Maria
Publicado em 29 de maio de 2025 | 06:00

Em cartaz em Belo Horizonte com o espetáculo “Matilde”, que segue no CCBB-BH até o próximo domingo (1º de junho), a atriz Malu Valle dá vida a uma mulher na casa dos 60 anos que tem a vida transformada ao alugar um quarto para Jonas (Ivan Mendes), um ator de 36 anos.

Dentre os temas retratados no texto de Julia Spadaccini, estão o envelhecimento, as relações intergeracionais e os desafios enfrentados pelas mulheres em uma sociedade patriarcal.

E por mais que os dois personagens não vivam um relacionamento amoroso na trama, também é possível fazer reflexões acerca da união afetiva entre mulheres mais velhas com homens jovens, situação ainda vista pela sociedade com certa estranheza e preconceito.

Casos como o da apresentadora Sabrina Sato, casada com o ator Nicolas Prattes, 16 anos mais jovem, e da jornalista Fátima Bernardes, de 62 anos, que namora o deputado federal Túlio Gadêlha, de 37 anos, refletem esse estigma.

A ex-âncora do Jornal Nacional, da TV Globo, disse que a diferença de idade entre eles é mais um assunto público que uma questão para o casal, enquanto Sabrina já ironizou ao responder uma das muitas perguntas sobre o relacionamento deles que nem “lembrava” da quantidade de anos que separa o dia do nascimento dela em comparação com o do marido. 

Por outro lado, a diferença de idade de um casal nem sempre é colocada em xeque quando os papéis se invertem, ou seja, quando, em uma relação, o homem é quem tem bem mais anos que a mulher.

Para a atriz Malu Valle, esse descomo se deve porque ainda vivemos em uma sociedade extremamente machista. “Com isso, o homem pode fazer o que ele quer, mas a mulher, não. Quando um homem de 80 anos está com uma jovem de 20, 30 anos, a avaliação é que está tudo certo. Agora, se for o contrário, a sociedade entende que a mulher está abusando”, avalia. 

Doutora em antropologia social e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mirian Goldenberg amplia a questão. Autora do livro “Por que os Homens Preferem as Mulheres Mais Velhas” (Grupo Editorial Record, 2017), ela escreve que “é fácil constatar que a grande maioria dos homens prefere se casar com mulheres mais jovens”, na mesma medida em que a “maioria das mulheres procura um marido que seja ‘superior’: mais velho, mais alto, mais forte, mais rico, mais poderoso, mais bem-sucedido.”

Sendo assim, essa maneira de se relacionar “assegura a superioridade masculina nos relacionamentos afetivos e sexuais”. Dentro dessa lógica, “os que estão dominados contribuem, muitas vezes inconscientemente ou até mesmo contra a sua vontade, para a própria dominação, aceitando os limites socialmente impostos.”

Mas aqueles que conseguem escapar a essa lógica de dominação masculina são mais felizes. Foi o que revelou um estudo feito por Mirian com 52 casais, cujas mulheres eram pelo menos mais 10 anos mais velhas que seus companheiros.

Com base em uma série de entrevistas realizadas pela estudiosa, ela concluiu que casais em que a mulher é mais velha “parecem ser muito mais satisfeitos e apaixonados” em comparação com aqueles, também estudados por Mirian, que “representam outros arranjos conjugais que ocorrem mais comumente em nossa sociedade”, como relacionamento entre pessoas na mesma faixa etária ou aqueles em que o homem é mais velho. 

“Somente nesses casamentos [de mulheres mais velhas com homens jovens] percebi um equilíbrio que, se não se evita, ao menos minimiza os jogos de dominação, os conflitos e as disputas presentes em casamentos considerados mais ‘normais’ ou ‘convencionais’”, descreve.

Vantagens

Dentre os motivos levantados pela doutora em antropologia social Mirian Goldenberg para descrever os motivos pelos quais mulheres se casaram com homens mais novos está no fato de elas já terem experiências anteriores.

“Elas aprenderam a valorizar muitas questões que antes não valorizavam, principalmente o companheirismo, a reciprocidade e a confiança. Elas se sentem muito mais seguras e próximas a seus parceiros do que em relacionamentos anteriores. Geralmente, esses relacionamentos são mais equilibrados”, escreve. 

Os homens, por sua vez, destacam que a vantagem de se relacionarem com mulheres mais velhas está no cuidado diário, carinho e compreensão. “Eles falam que são relacionamentos mais leves, mas, ao mesmo tempo, mais maduros. A desvantagem desses relacionamentos ainda é o preconceito”, assevera.

Realmente, na avaliação da pós-doutora em neurociência Ângela Mathylde Soares, por mais que os casais tenham relacionamentos felizes no âmbito particular, o julgamento que vem de fora pode impactar negativamente na vida a dois.

“Talvez, muitos desses indivíduos em atos de preconceito por diferenças de idade não sabem que a intolerância causa danos psicológicos ao casal, ou individualmente, gerando preocupação, como imaginar ser ‘incapaz’ para aquela pessoa e, que ser mais velho ou mais novo, é um fator primordial que afetará nas escolhas ou pesar em determinadas situações, provocando uma série de pensamentos negativos e, inclusive, podendo chegar ao ponto de interferir e atrapalhar os planos do casal. Trata-se apenas de mais um estigma que precisa ser revertido por quem ainda pensa dessa maneira. É um ponto a mais que entra no grandioso ‘pacote’ de preconceitos sociais. A decisão só cabe, exclusivamente, ao casal”, observa.

Com 67 anos, a atriz Malu Valle acredita, porém, que, aos poucos, a sociedade dá os na direção de romper com padrões do ado. Ela, que brinca ao dizer que enxerga o “próprio envelhecimento no espelho”, avalia que as maneiras de quebrar tais estigmas estão na mudança da atitude feminina.

“Mulheres com 60, 70, 80 ou 90 anos estão tendo uma vida muito diferente das do ado. Um exemplo é a dona Fernanda Montenegro que, aos 90 e poucos anos, segue fazendo teatro, viajando e ativa, tanto na vida física quanto mentalmente. Esses exemplos são como uma pedrinha no lago: criam ondas que mudam essa história aos poucos. Por isso eu estou fazendo essa peça [“Matilde”] e creio que, com ela, a gente move um pouco a história, mesmo que pouquinho”, finaliza.