As dificuldades do governo Romeu Zema (Novo) em aprovar pautas caras na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) têm sido provocadas pelo atraso em cumprir acordos com os deputados da base. A lentidão em honrar compromissos, como, por exemplo, a indicação de recursos e cargos em superintendências, gerências e coordenadorias regionais, aos poucos aprofunda o incômodo dos deputados. Em contrapartida, a insatisfação reflete até em dificuldades em garantir quórum em plenário para votações. 

Os acordos teriam sido firmados ainda pelo ex-secretário de Governo Igor Eto (Novo) em busca de fidelizar o apoio de deputados, como, por exemplo, à candidatura do deputado Roberto Andrade (Patriota) à presidência da ALMG, que, fiada principalmente por Eto, gera cobranças ao atual secretário Gustavo Valadares (PMN) apesar de ter sido mal-sucedida. Além do apoio a Roberto, há compromissos para votações ainda do 1º semestre, como para derrubar a emenda para autorizar uma recomposição salarial às forças de segurança.   

À época, a recomposição, uma resposta à proposta para aumentar em 300% os salários de Zema, do vice-governador Mateus Simões (Novo) e dos secretários, foi derrubada em plenário com uma diferença de apenas cinco votos - foram 35 contrários e 30 favoráveis. Sob reserva, um deputado afirmou a O TEMPO que, até agora, o governo não indicou os recursos prometidos. “Eu te garanto que o governo ainda tem compromisso para cumprir com todos os deputados. Muitos estão cobrando agora”, acrescentou.

Outro parlamentar, que também pediu discrição, disse que o governo Zema ainda não entregou, por exemplo, uma obra por ele indicada em uma escola estadual. “Está no forno, mas em fogo baixo. Eu prefiro que esteja em fogo alto e me servir queimando do que esteja em fogo baixo e eu coma cru”, comparou. “Acho que o que está gerando ansiedade nos deputados é que estamos falando de 90 dias (para o governo cumprir os acordos). Com um novo ano vem novos compromissos”, alertou.

Inclusive, os deputados, receosos de que os acordos pudessem ser descumpridos pelo governo, já haviam ligado o alerta quando Eto caiu no fim do último mês de junho. Quando estava à frente interinamente da Secretaria de Governo durante a transição entre Eto e Valadares, o vice-governador Mateus Simões (Novo) teria garantido aos parlamentares em uma reunião no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) que os compromissos seriam honrados.  

Questionado, Valadares afirmou que o governo está cumprindo todos os acordos com os deputados. “Mas não tem como cumprir tudo de uma vez, porque é humanamente impossível que seja feita uma mão de obra para que isso se resolva de um dia para o outro”, defendeu. “Você tem que respeitar a naturalidade com que as coisas andam. Não tem como fazer com um estalar de dedos. Então, as coisas estão caminhando. Não tem nada fora do lugar. Tudo o que foi combinado está sendo cumprido”, reiterou.

Sem resposta. Eto, que, desde o início de setembro, está acomodado no governo Zema como assessor da vice-presidência do BDMG, foi procurado para se manifestar, mas, até a publicação desta reportagem, não retornou os contatos. O espaço permanece aberto, e, tão logo o ex-secretário de Governo se manifeste, o posicionamento será acrescentado. 

Deputados se queixam de falta de reconhecimento 4a2130

Além do atraso em cumprir acordos, o tratamento dispensado pelo governo Zema tem irritado alguns deputados. A insatisfação foi exposta de vez durante a tramitação da proposta para retomar a cobrança do ICMS adicional de dois pontos percentuais sobre bens considerados supérfluos. Quando o texto foi aprovado em 1º turno, os deputados Eduardo Azevedo (PSC) e Arnaldo Silva (União), que votaram contra a retomada do ICMS adicional, explicitaram o incômodo em plenário.    

Eduardo, por exemplo, afirmou que o governo teria escancarado as portas para deputados da oposição apesar de o bloco ter obstruído votações importantes, como, por exemplo, do pré-requisito para a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). “Então, governo, o que você está querendo? Você quer valorizar as pessoas que andam com você ou vai literalmente virar capacho? Mulher de malandro da oposição? (...) Governo, você está acabando de perder o respeito nosso”, disse. 

Questionado pela reportagem logo após o discurso, Eduardo explicou que o que lhe incomodou foi uma visita da deputada Lohanna (PV), sua adversária em Divinópolis, onde ele é majoritário, ao vice-governador Mateus Simões (Novo) no último mês de agosto. Ela foi acompanhada pelo prefeito de Itaúna, Neider Moreira (PSD), e pelo presidente estadual do PSD e líder do bloco de governo na ALMG, Cássio Soares (PSD). Lá, uma das pautas foi a regionalização da Delegacia de Polícia Civil de Itaúna, que, segundo o deputado, ele já havia levado até a chefe da Polícia Civil, Letícia Gamboge.

Procurado, Cássio, por outro lado, afirmou que, durante toda a sua trajetória, defendeu que todos os deputados sejam respeitados pelo governo independentemente de serem da base ou da oposição. “Afinal, todos foram eleitos como representantes da população. Lamento profundamente a incompreensão do deputado Eduardo, que se coloca como base e muitas vezes vota contra o governo, mas, ainda sim, respeito a posição diversa de todos os deputados", completou o líder do bloco do governo.

Já Arnaldo, que, a propósito, é presidente da Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da ALMG, apontou que o problema seria a “essência” do governo Zema, o que, segundo ele, não se muda. “Pode-se mudar algumas peças do governo achando que, com isso, tudo se resolve, mas a essência continua a mesma. É a essência de um governo que está nem aí para todos nós, de um governo que não quer o diálogo, que não quer respeitar o trabalho de cada um dos deputados”, criticou ele, que, ao ser questionado em seguida se teria rompido com o governo, negou.

Governo ite. Valadares, por sua vez, itiu que o governo precisa melhorar a relação com os deputados. “Todo dia eu vou ter um problema de relacionamento do governo com o deputado ou do deputado com o governo. Isso vai acontecer sempre, porque é uma relação que é construída e solidificada dia a dia. É uma relação que vai ter erro de um lado e do outro, vez ou outra, vai acontecer. O meu papel é tentar minimizar esses erros e tentar minimizar ou amenizar o desgaste de um lado e de outro”, ponderou.

Assim como o secretário, o líder de governo, João Magalhães (MDB), reconheceu as insatisfações dos deputados da base e disse que o governo já as mapeou. “Estamos buscando aparar as arestas para reaglutinar a base (após a votação do ICMS adicional sobre supérfluos). Conversei com o governador e com o vice-governador para participar ativamente do jogo político”, resumiu o deputado, que sucedeu justamente Valadares na liderança de governo.

PEC do fim do referendo vai precisar de quórum qualificado 3y3e56

A insatisfação dos deputados da base com os acordos e o relacionamento volta à tona às vésperas do início da tramitação de propostas prioritárias para o governo, como, por exemplo, a adesão ao RRF, que precisa ser aprovada pela ALMG até 20 de dezembro, e o fim do referendo constitucional para autorizar a privatização da Cemig e da Copasa, que, ao contrário da primeira, precisa de quórum qualificado para ser aprovado, ou seja, 48 votos. 

Apesar de o governo já ter reunido o quórum para aprovar a transferência do Detran para a Secretaria de Planejamento e Gestão, parte dos deputados acredita que, hoje, não haveria o número de votos para aprovar o fim do referendo. “Qualquer projeto do governo que deveria ar sem dificuldades se torna uma tempestade em copo d’água. Enquanto isso, projetos que mostrariam a que o governo veio, como o RRF e as privatizações, sequer são pautados”, aponta outro deputado, que pediu para ser preservado.

Na última quinta-feira (28/9), o ICMS sobre bens supérfluos foi aprovado por apenas quatro votos de diferença. Apesar de interlocutores argumentarem que a margem é maior, já que nove presentes não votaram, o governo poderia ter enfrentado mais dificuldades caso quatro dos 20 deputados do bloco de oposição tivessem comparecido, o que levaria o Palácio Tiradentes a, no mínimo, convencer um dos que se abstiveram a votar a favor da proposta.

Questionado sobre a dispersão da base, Valadares rebateu e apontou que todas as propostas encaminhadas pelo governo Zema foram aprovadas. “Todas”, reiterou. “Todas, sem nenhuma exceção. Inclusive, as mais espinhosas. Onde é que está o problema? O governo ganhou a votação”, acrescentou o secretário, que voltou a afirmar que a relação entre Executivo e Legislativo mudou em qualquer lugar. “O Lula está se mantendo com 100% de aproveitamento no Congresso Nacional?”, contestou. 

Porém, o secretário de Governo reconheceu que os compromissos em aberto e as queixas dos deputados sobre a relação com o Palácio Tiradentes o preocupam para a votação do fim do referendo popular. “A PEC precisa de 48 votos sim no , então vai exigir um trabalho muito maior. Mas nós vamos correr atrás desses votos. Vamos correr e vamos conseguir. Vai chegando perto de uma votação e eu tenho que ter os votos para ganhar aquela votação. Se eu ganhei de 1 a 0, com gol de mão que foi validado, pra mim está valendo”, disse.