ANÁLISE

Trump vence ao encarnar destino manifesto da América

Discurso simples e ível promete curar ressentimento do cidadão médio com a promessa não cumprida de grandeza

Por Frederico Duboc
Atualizado em 06 de novembro de 2024 | 13:30

“É o maior país (os EUA) e potencialmente o maior do mundo de longe. E, agora, vamos trabalhar muito para recuperar isso.” O discurso da vitória de Donald Trump, proferido na madrugada de quarta-feira (6) na Flórida, recheado de expressões como “era de ouro” e “América Grande de Novo”, mobiliza num discurso simples para o cidadão comum o pensamento do “destino manifesto” que percorre a história dos Estados Unidos e o ressentimento da promessa não cumprida de grandeza para os norte-americanos. 

Em 1989, o Muro de Berlim caiu, a Guerra Fria se esvaiu, dois anos depois, a União Soviética deixou de existir. Naquele momento, não havia mais um mundo bipolar (com duas superpotências) ou multipolar (com um grupo limitado de nações hegemônicas disputando o poder, como o período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial), dando início ao que o pensador liberal Charles  Krauthammer chamou de “momento unipolar”. 

Superpotência solitária

Esperava-se que os Estados Unidos enfim se tornariam a “nação indispensável”, “a liderança benigna”, a “superpotência solitária” que conduziria o mundo – e o país - a uma era de paz e prosperidade. Na guerra contra Saddam Hussein, o então presidente George H.W. Bush afirmou que “uma nova ordem mundial” havia se formado.

Pensamento do destino manifesto é tão antigo quanto a própria existência da América.  Os primeiros colonos a desembarcar no continente seguiam a crença calvinista de um povo escolhido para habitar uma nação de abundância e espalhar a palavra pelo mundo. Dois séculos depois, os chamados “pais fundadores” refinaram essa ideia com os conceitos de liberdade e propriedade, que igualmente deveriam ditar o rumo das demais nações. Noção posta em prática em 1823 com a Doutrina Monroe da “América para os Americanos”. 

Crescimento da China

Mas a hegemonia global esbarrou na realidade. A Europa procurou seu próprio caminho em 1991, com a criação da União Europeia. Os atentados terroristas da Al-Qaeda em 11 de setembro de 2001, com mais de dois mil mortos em solo americano, evidenciaram de forma dramática a discordância étnica e religiosa dos povos árabes. E a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) no mesmo ano inaugurou a expansão de uma estrutura de produção industrial, importação e exportações.  

As siderúrgicas e montadoras do Meio-Oeste dos EUA, mais intensivas em mão de obra e menos tecnologicamente desenvolvidas, perderam competitividade e empregos. O déficit na balança comercial com a China, que era praticamente zero nos anos 80, ou a acelerar de US$ 103 bilhões no início do século XXI para quase meio trilhão de dólares em 2018. Só nos primeiros nove meses de 2024, bateu em US$ 217 bilhões. 

Discurso ível

Em sua campanha, Trump aliou seu conhecimento extraordinário do funcionamento das regras do colégio eleitoral com um discurso mais ível para o norte-americano médio, morador dos infinitamente mais numerosos condados de baixo índice demográfico - praticamente ignorados na campanha democrata. Ele prometeu uma América forte, com uma resposta imediata de dinheiro no bolso e emprego para um país com inflação anual de 2,1% e 4% de desocupação.  

Enquanto, Kamala Harris e os democratas não conseguiam mostrar um discurso diferente do republicano sobre economia (perdendo com isso eleitores tradicionais entre as comunidades negra e latina) e tinham dificuldade em explicar por que defendiam o aborto legal e os direitos reprodutivos da mulher e o aquecimento global. Dois itens que também afetam o bolso dos norte-americanos, mas de forma invisível no curto prazo. 

Custos do aborto e do clima

Os custos com saúde da mulher e tratamento de interrupções clandestinas de gravidez nos 16 Estados que baniram o aborto somam US$ 68 bilhões, segundo o Institute for Women’s Policy Research. Por sua vez, de acordo com o National Oceanic and Atmospheric istration (NOAA), os gastos com desastres naturais causados pelo aquecimento global  atingiram US$ 165 bilhões no ano ado.

Dois fatores que agravaram a dívida pública bruta de 123% do PIB em 2023, um freio poderoso à criação de empregos, à redução dos juros, à oferta de crédito imobiliário e renegociação das hipotecas. Ou seja, tudo aquilo que impede, de fato, a América de ser grande.