‘Amizade’ de Trump e Putin é a porta de entrada da 3ª Guerra Mundial? Entenda o que está em jogo
Guerra da Ucrânia é ponto central ao redor do qual potências globais se concentram no início da nova gestão norte-americana

As placas tectônicas da geopolítica global nunca deixam de se mover. Em 2025, o que surpreende não é seu movimento, mas a configuração inédita que elas parecem formar. O cenário ainda não é claro, mas o que se desenha, até então, é uma aproximação dos EUA com a Rússia, enquanto a Europa se apavora e tenta se proteger por conta própria. É uma corda bamba que, para alguns analistas, coloca o mundo sob risco de um conflito generalizado.
Não é a primeira vez que esse perigo se avizinha no noticiário, e em todas as outras ele enfraqueceu antes de se consolidar. Agora, ronda o vocabulário do próprio presidente dos EUA, Donald Trump. Em seu bate-boca televisionado com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, o norte-americano disse que o ucraniano está “jogando com a Terceira Guerra Mundial”.
Ninguém espera que um conflito dessas proporções estoure no curtíssimo prazo, contudo, desta vez, ele não é descartado. “Toda guerra é impensável até que ela aconteça. Logo antes da guerra da Ucrânia começar, em 2022, os analistas falavam que uma guerra na Europa era impensável naquele momento. A Primeira e a Segunda Guerras eram impensáveis até acontecerem”, reflete a professora de Relações Internacionais da PUC Minas Raquel Gontijo.
Muito mudou no mundo desde a Segunda Guerra, e o início de um conflito dificilmente será igual ao do anterior. Há pelo menos um paralelo contemporâneo com o perigoso cenário dos anos 30, porém, lembra a professora. “Uma analogia que vem sendo feita é que, no período antes da Segunda Guerra, o Reino Unido percebia a expansão territorial da Alemanha e adotou um apaziguamento, deixando-a se expandir e pensando que depois se chegaria a uma configuração pacífica. Claramente, não foi isso que ocorreu”.
O paralelo com esse caso são a Rússia e sua ambição expansionista. O acordo de paz que os EUA tentam costurar entre russos e ucranianos favorece Putin, que abocanharia pelo menos um quinto do território ucraniano. O que vem depois disso é um mistério. “O que a Rússia quer? Apenas uma parte da Ucrânia? Ela inteira? Mais expansão no Leste Europeu? Aonde isso termina? Não sabemos”, completa a professora.
O professor de direito internacional da UFMG Lucas Carlos Lima analisa a questão com cautela. “Depende muito do que se entende por Terceira Guerra Mundial. Se o sentido for um conflito com um alto número de participantes, inclusive potências nucleares, o risco existe. Mas, ao mesmo tempo, há muitos esforços para atenuar os riscos. Estados não estão economicamente nem politicamente interessados num conflito de maior escala”.
É nesse ponto que a aparente aproximação de Trump e Putin preocupa. No campo das relações internacionais, os movimentos dificilmente são transparentes, e tudo o que se pode fazer é inferir intenções dos atores. Há analistas, por exemplo, que veem nos ataques do norte-americano a Zelensky e, consequentemente, no afago a Putin, uma tentativa de afastar russos e chineses. Outros, que trata-se de uma questão personalista de Trump, irado pelo poderio de Putin. Ou, ainda, um cálculo político para aumentar seu prestígio como quem encerrou uma longa guerra e economizou recursos de seu país.
“A istração Trump tem alterado sua posição em relação à guerra da Ucrânia. Isso não necessariamente significa uma aproximação geral e irrestrita em relação a Putin. Em primeiro lugar, a intenção dela pode ser diminuir a presença americana no conflito europeu. Em segundo, diminuir os atritos com a istração russa, que estava se aproximando de uma guerra por procuração. Em terceiro, a aproximação pode também servir para acabar com o isolacionismo russo, que aproximava Moscou de Beijing quase automaticamente”, pondera o professor Lucas Carlos Lima.
No caminho, está a Europa. Após os ataques de Trump a Zelensky, líderes europeus se juntaram ao redor do ucraniano e anunciaram recursos bilionários para reforçar a defesa do continente. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que “a Europa enfrenta um perigo claro e presente em uma escala que nenhum de nós experimentou em nossa vida adulta”.
Mesmo entre a China, os EUA e a Rússia, a Europa é uma grande força militar e econômica, uma das protagonistas no jogo político global. “O problema é que ela não é um país, são vários blocos sobrepostos. Às vezes, a coordenação falha, e cada país terá uma interpretação, com governos mais à direita, outros mais à esquerda. Agir enquanto bloco é difícil”, pontua a professora Raquel Gontijo.
À América Latina, por ora, resta assistir à dança das grandes potências, em um momento em que uma ameaça de curto prazo maior do que uma guerra para o Brasil é da ordem econômica, sob o fantasma das taxações de Trump.