EUA chamam de inaceitável resposta do Hamas a proposta de cessar-fogo
Conflito em Gaza já dura quase 20 meses e deixa milhares de mortos
O Hamas afirmou neste sábado (31) que enviou resposta a mediadores para a proposta de cessar-fogo apresentada pelo enviado dos Estados Unidos para o Oriente Médio, Steve Witkoff, e tenta incluir garantias de que a trégua vai levar a um cessar-fogo permanente — o que até então é uma linha vermelha para Israel.
O gabinete do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu afirmou que a resposta do Hamas é uma recusa à proposta. "Enquanto Israel concordou com as diretrizes atualizadas de Witkoff para a libertação dos nossos reféns, o Hamas continua a agarrar-se à sua recusa", disse o gabinete em nota.
O próprio Witkoff já havia se manifestado antes do gabinete de Netanyahu, afirmando que a resposta do grupo terrorista é "totalmente inaceitável".
"O Hamas deveria aceitar as diretrizes da proposta que enviamos como base para as conversas, que podemos começar imediatamente. Essa é a única forma de fecharmos o cessar-fogo de 60 dias nos próximos dias", disse o enviado americano.
O grupo terrorista afirmou em comunicado que, segundo o acordo, aceita libertar 10 reféns vivos e 18 corpos em troca da libertação, por parte de Israel, de um número de prisioneiros palestinos, comentários alinhados à proposta de Witkoff, sem contudo delimitar quantos prisioneiros soltos espera nesta troca.
O comunicado do Hamas acrescenta: "Esta proposta visa alcançar um cessar-fogo permanente, uma retirada completa [de forças de Israel] da Faixa de Gaza e garantir o fluxo de ajuda para nosso povo e nossas famílias na Faixa de Gaza." A facção disse ainda que sua resposta vem "após realizar uma rodada de consultas nacionais".
O comunicado não menciona mudanças na proposta, mas uma autoridade palestina familiarizada com as negociações disse à Reuters que o Hamas deu uma resposta positiva, ao mesmo tempo que tenta fazer algumas emendas. Entre elas está uma maior distribuição de ajuda humanitária em diferentes áreas de Gaza, além das garantias de que o acordo levará a um cessar-fogo permanente.
Após as críticas de Witkoff e Israel, Basem Naim, uma autoridade do Hamas, afirmou que a facção considera a proposta do americano aceitável para negociação, dizendo que a reação de Tel Aviv foi incompatível à resposta dada pelo grupo e que os comentários do enviado de Washington foram injustos e revelam "viés completo" em favor de Israel.
De acordo com o jornal The Times of Israel, citando sem nomear uma pessoa com envolvimento direto nas negociações, a resposta do Hamas tenta espalhar a libertação dos dez reféns vivos prevista na proposta de Witkoff ao longo dos 60 dias de trégua. O objetivo seria prevenir o premiê de Israel de retomar ofensivas após a soltura desses sequestrados, ainda de acordo com o jornal.
A imprensa israelense relatou, no início desta semana, que Netanyahu disse às famílias dos reféns ainda mantidos em Gaza que Israel havia aceitado o acordo apresentado por Witkoff. O gabinete do primeiro-ministro se recusou a comentar a declaração na ocasião, mas a própria Casa Branca anunciou a concordância de Tel Aviv em seguida.
Profundas diferenças entre o Hamas e Israel têm impedido tentativas de restaurar um cessar-fogo, rompido em março com ataques de Tel Aviv em meio a discordâncias sobre como avançar nas fases previstas pela trégua, então vigente desde janeiro.
Israel insiste que o Hamas se desarme completamente, seja desmantelado como força militar e governamental e devolva todos os 58 reféns ainda mantidos em Gaza antes de concordar em encerrar a guerra permanentemente.
Já a facção rejeita a exigência de entregar as armas e diz que Israel deve retirar suas tropas de Gaza e se comprometer a encerrar a guerra.
Quase 20 meses de conflito devastaram Gaza. Os bombardeios de Israel destruíram grandes áreas da parte central e norte do território, comprimindo a população de mais de 2 milhões de pessoas em uma área cada vez mais estreita ao longo da costa e ao redor da cidade de Khan Yunis, no sul — alvo de operações mais recentes de Tel Aviv.
Há ainda escassez de água, comida, combustível e medicamentos — entre março e maio, a população de Gaza foi submetida a um bloqueio total de ajuda imposto por Israel, o que deixou a situação humanitária no território insustentável, segundo organizações que atuam no local. Após 11 semanas e sob intensa pressão internacional, Tel Aviv suspendeu a medida no começo do mês, mas apenas parcialmente.
Neste sábado, grupos de ajuda humanitária disseram que dezenas de caminhões do Programa Mundial de Alimentos, da ONU, que transportavam farinha para padarias em Gaza, foram sequestrados por grupos armados e saqueados por pessoas desesperadas por comida.
"Após quase 80 dias de bloqueio total, as comunidades estão morrendo de fome e não estão mais dispostas a ver a comida ar", afirmou o programa em um comunicado.
O incidente foi o mais recente de uma série que destaca a precária situação de segurança em Gaza. Em um sistema separado, a recém-criada Fundação Humanitária de Gaza, apoiada por Israel e EUA, está entregando refeições e pacotes de alimentos em três locais de distribuição.
As operações dessa organização também enfrentam problemas, no entanto — na terça (27), ao menos 47 pessoas ficaram feridas durante uma entrega em Rafah, após disparos de soldados que Tel Aviv chamou de "tiros de advertência".
Há ainda outras questões mais complexas em relação a essa entidade, que pretende verificar se as famílias atendidas têm envolvimento com o Hamas antes de distribuir a comida, contrariando os princípios humanitários de neutralidade e imparcialidade.
Para Amjad al-Shawa, líder de um grupo que representa grupos humanitários palestinos, centenas de outros caminhões são necessários para diminuir a catástrofe no território, causada, segundo ele, por uma "política sistemática de fome" por parte de Israel, que nega a acusação.
Os bombardeios israelenses que, desde o início do conflito, começado após ataque do Hamas que matou 1.200 pessoas em Israel, já mataram mais de 54 mil palestinos de acordo com o grupo terrorista — autoridades ligadas ao Hamas não separam mortes civis de combatentes da facção.