Meninas brasileiras seguem expostas a crimes virtuais
Mesmo com prisão do responsável pelas ameaças a parlamentares
Em 2023, uma disputa entre dois masculinistas, ou incels (homens que se organizam online em torno do ódio às mulheres e outras minorias políticas), resultou em ameaças de morte e estupro a mais de dez parlamentares brasileiras. As investigações mostraram que L. enviava as ameaças com o objetivo de incriminar um antigo amigo, assinando-as com o nome de seu desafeto. Uma força-tarefa formada pelo Ministério Público e pela Polícia Civil de Minas Gerais chegou ao verdadeiro autor, preso em maio de 2024 e condenado a quase 13 anos de prisão na semana ada. Não consigo celebrar. Meu sentimento é de apreensão.
Caso não tivesse ameaçado mulheres eleitas, o mais provável é que L., um jovem recém saído da adolescência, ainda estivesse praticando seus crimes e colocando a vida de outras mulheres em risco. Investigado e preso pelas ameaças às parlamentares, L. também é acusado de transmissão e publicação de vídeos pornográficos de adolescentes, instigação à automutilação, veiculação de símbolos nazistas, associação criminosa e corrupção de menores. Mesmo reconhecendo o trabalho da polícia, que responde à necessidade emergencial de identificação do responsável, considero que a resposta que temos até o momento, dada pelo Estado penal, ainda é insuficiente.
Grupos de ódio na rede
Por meio dos jogos online e das redes sociais diversas, nossos jovens seguem sendo cooptados pelas facções de ódio que se organizam em fóruns anônimos para praticar crimes na terra sem lei que é a internet brasileira. O alvo preferencial desses grupos são as meninas, chantageadas de diversas formas, que acabam vítimas de estupros virtuais, jogos de automutilação, entre outras violências. Recentemente, também incitaram a série de atentados contra escolas, que espalharam o terror pelo país.
De acordo com a pesquisa Tic Kids Online Brasil de 2024, feita pelo Cetic.br, centro de estudos ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil, com apoio da Unesco, 93% da população brasileira de 9 a 17 anos é usuária da internet. Desses, 76% usa redes sociais, sendo que 53% utiliza o Whatsapp, 43% o YouTube, 45% o Instagram e 37% o TikTok; e 29% relatam ter ado por situações ofensivas no ambiente virtual.
Este é o contexto da fala de Janja para o presidente chinês, na viagem da comitiva do governo Lula ao país. A primeira dama “quebrou o protocolo” para pedir mais proteção às meninas brasileiras, vítimas também por meio da rede social chinesa. O que ganhou as manchetes, no entanto, foi a especulação sobre uma possível gafe e mal estar, ficando as meninas e sua segurança virtual novamente à margem do debate.
Ameaças e apreensão
Ter sido ameaçada de morte e estupro corretivo foi um momento terrível para mim. Eu vi a minha vida, a da minha família e a de minhas companheiras serem duramente transformadas pelas medidas de segurança e, até hoje, estou no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Desde o início desse processo, atuamos para articular uma rede de ciberativistas e ativistas, instituições públicas e parlamentares de várias partes do país com o objetivo de contribuir não apenas com a elucidação deste crime, mas também com a discussão sobre as redes de ódio em ambiente virtual e o enfrentamento à violência política de gênero, um crime federal. Em Belo Horizonte, sou coautora da lei que busca coibir a violência contra as mulheres na política municipal, que ainda aguarda regulamentação.
Enquanto o aparato institucional se movia para providenciar nossa necessária proteção, que também é a proteção da democracia brasileira, meus pensamentos sempre se voltavam às meninas, desprotegidas em seus quartos. É por elas que todas nós precisamos nos levantar, exigir a regulamentação das redes sociais e campanhas de conscientização, quebrando protocolos se preciso for.