Nós já sabemos que a dor vem de vários lugares e de várias situações. Hoje quero retratar três situações dolorosas, muito mais comuns do que imaginamos.
As relações humanas ainda são fonte de muita angústia, e essas angústias se materializam de várias formas no corpo.
Três mulheres desconhecidas, todas com dores crônicas nas colunas.
O que me motivou contar essas histórias foi um fato em comum. Todas me contavam histórias difíceis e tristemente semelhantes.
– Doutora, eu me separei porque eu cansei de negociar o pão.
– Como? Negociar o pão? – eu perguntava.
– O meu marido ameaçava não deixar o dinheiro para o pão dos meus quatro filhos e para várias outras coisas se eu não tivesse relações sexuais com ele. Até que um dia eu me esgotei e disse que, se ele não desse o dinheiro para comprar a comida, todos nós morreríamos de fome, porque ele nunca mais encostaria a mão em mim, e fugi pela janela.
Este foi o relato de uma paciente com muitos problemas de coluna e histórico de câncer de útero e de mama.
O segundo relato é de uma paciente que vinha à clínica com muita frequência para fazer bloqueio de dor.
Embora eu lhe explicasse que o problema era da coluna cervical, ela insistia que o problema era do ombro esquerdo.
Também era orientada frequentemente a fazer uma reabilitação física, mas se negava. Vinha apenas para os bloqueios e para me contar sua história. Impreterivelmente, todas as vezes que vinha à clínica, a mesma história.
<CW27>Ela me contava como o juiz tinha exigido ao marido, alcoólatra e violento com ela e com os filhos, que ele deveria sair da casa dela.
Contava essa história de alma lavada, como quem recebe uma carta de alforria.
E repetia, repetia, repetia...
“O juiz disse: ‘Sr. Fulano, o senhor vai voltar e pegar suas coisas pessoais e sair’. E depois falou para mim: ‘Se ele não sair, a senhora me avisa’”.
Ele saiu da vida dela, levando apenas as coisas pessoais, mas deixou uma dor cervical irradiada para o ombro esquerdo.
No terceiro caso, a paciente igualmente com problemas graves na coluna, como a estenose de canal medular lombar. Ela me contou em todos os nossos encontros como ela foi sofreu um abuso sexual por parte do marido em sua noite de núpcias e como o comportamento dele na sua primeira noite de intimidade sexual determinou sua história de frustração com ele e sua sexualidade.
Não se separou, mas comemorou, silenciosamente, com muita alegria, o dia em que ele morreu, 22 anos depois desse terrível episódio.
Quando perguntei a ela se não pensava em talvez, eventualmente, se abrir para um novo relacionamento, ela, dura e firmemente, respondeu:
– Deus me livre. Nunca mais deixei nenhum homem tocar em mim.
Por isso eu insisto: precisamos cuidar mais das pessoas que das doenças, porque as doenças têm histórias.
Dra. Meira Souza é médica e escritora