O imponderável
Nem chamando minha esposa para me alcançar a mão, na manhã seguinte, superei meu recorde de sete minutos
Enfrentei o imponderável dentro de mim. E nunca antevemos até onde aguentamos.
Fui fazer exames de rotina. Um check-up minucioso no hospital Biocor, em Belo Horizonte (MG). aria a manhã inteira:
– ultrassom de tireoide com Doppler;
– ultrassom de próstata;
– tomografia de abdome total com contraste;
– tomografia de tórax sem contraste;
– ressonância magnética de crânio;
– angiorressonância magnética arterial intracraniana;
– angiotomografia de coronária;
– eletrocardiograma de 12 derivações;
– ecocardiograma transtorácico;
– Doppler de carótidas e vertebrais.
Eu me despi, vesti o avental e, no meio, fracassei. Ao realizar a ressonância magnética, naquele ambiente claustrofóbico, com a cabeça imobilizada num capacete, não fui capaz de permanecer parado. Simplesmente não prossegui. Tenho pavor de espaços vedados que exigem absoluta inércia. Parecia um caixão.
Sei que há pessoas que dormem tranquilamente durante o exame. Mas carrego um bloqueio.
Quando tinha 5 anos, numa visita ao túmulo do meu avô Leonida, em Guaporé (RS), fugi da comitiva familiar no momento da reza e caí numa cova aberta. Fiquei horas ali, sem ser encontrado, à semelhança de um morto. O buraco era alto e escorregadio demais para sair sozinho.
Só fui resgatado à noite. O desespero jamais saiu de mim.
Houve efeitos colaterais no meu sono, na minha habilidade para confiar e na minha segurança em lugares pequenos. Adquiri vertigem. Por muitos anos, sonhei que caía de edifícios. Talvez venha daí minha indisposição para trilhas em cavernas, ou minha aversão a qualquer coisa que me prenda pés e mãos.
No hospital, procurei rivalizar com meu medo. Pelo menos, descobrir seu tamanho. Entrei na cabine com o alarme de emergência na mão. O procedimento duraria 18 minutos. Respirei fundo, pausadamente. Buscava mergulhar na matéria viscosa do meu receio. Fechei os olhos. Senti cada gota de suor no oceano da minha palpitação.
Resisti por um minuto, dois minutos, três minutos. Comecei a temer uma crise de pânico. Como nunca tive uma, não sabia se já estava tendo. Não queria desencadear o primeiro episódio, que poderia me levar a muitos outros, de natureza insondável.
Quatro minutos, cinco minutos: aperto ou não aperto o alarme?
A enfermeira segurava minhas pernas para demonstrar que eu não estava sozinho.
O tempo interior corre mais rápido do que o físico. O raciocínio nos encurrala.
Seis minutos, sete minutos: quais são meus limites? Será que meu corpo se dobrava a uma tola impressão?
Nada de ruim me aconteceria racionalmente, mas eu não conseguia frear o mal-estar. De que profundeza emergia tanta defesa?
Eu me disciplinava a adiar o alívio, numa disputa comigo mesmo. Numa maratona solitária com tudo o que desconhecia da minha sanidade.
De repente, um grito mudo explodiu. Acionei a sirene descontroladamente, em múltiplos toques, como quem esquece a existência da campainha de uma casa e esmurra a porta.
Apenas disse:
– Por favor, me tirem dessa cova!
A mente é um mistério. Não dá para mentir para ela.
Nem chamando minha esposa para me alcançar a mão, na manhã seguinte, superei meu recorde de sete minutos.
Talvez essa seja uma batalha para toda a vida. Mas não deixarei de tentar.
Não dá para desistir por antecipação.
É preciso desafiar o trauma – capítulo por capítulo.