A tentação do poder
Novas formas de manipulação e controle no sistema político,
Manuel Alcántara/Latinoamérica21
Em um mundo desordenado, onde a quebra de regras é mais comum e as alianças são mais precárias, a política quer mais poder, seja para influenciar, piratear, espionar ou dissuadir. Não quer depender só de armas e bombas, também precisa de mecanismos institucionais para avançar a estratégia de dominação das elites dominantes dentro e ao redor dela.
Levando em conta que o o ao poder é uma coisa e o seu exercício é outra, se o poder é cada vez mais produto de mecanismos plebiscitários em que predomina o critério da maioria — em uma lógica de “soma zero” em que o vencedor leva tudo —, por que não usá-lo da mesma forma em seu exercício, mesmo que princípios até então considerados intocáveis sejam contrariados?
Ademais, dado o novo cenário que vem se abrindo desde a virada do século, os critérios de comunicação com os cidadãos, através de mecanismos digitais e seus derivados em termos de acúmulo e manejo de dados, não são só funcionais, mas claramente essenciais.
Manipulação por entretenimento digital
Se Maria Antonieta entrou para a história da manipulação política por aquele famoso mandato “vamos lhes dar bolos”, agora a provocação é montada sobre o entretenimento que o mundo digital supostamente oferece gratuitamente. Despeje sobre as massas todos os tipos de distração e entretenimento, sem esquecer a possibilidade de condicionar seus gostos e inclinar suas preferências.
O espetáculo também pode ser alimentado pela oferta de verdades alternativas e teorias da conspiração bem nutridas. O medo é manipulado e assume sua condição paralisante, assim como a exploração de vários paliativos que tendem à concentração de poder. Enquanto isso, a velha ordem é desmantelada com o álibi da incapacidade dos governos gestados mediante as práticas tradicionais de resolver os problemas das pessoas.
Em tudo isso, não é de surpreender que os governantes polemizem entre si nas redes sociais às quais têm o direto, enviando também mensagens aos seus seguidores para induzi-los à lógica da complacência e da cumplicidade. Tampouco é verdade que, em nome da bem-vinda transparência, as reuniões de gabinete sejam transmitidas ao vivo, como aconteceu na Colômbia nos últimos tempos.
Mecanismos de controle social
Nesse contexto, não é de estranhar que o poder — entendido como a habilidade de atuar, a autoridade legal e política, o controle ou a influência que alguém exerce sobre os outros, como força mental ou moral e, é claro, como o exercício da força física — use mecanismos antigos de endosso combinados com outros novos. A invocação do povo sempre foi um instrumento em uso.
Seja sob formas grosseiras e sinistras de controle, como sucedeu na Espanha de Franco entre 1939 e 1977 sob o guarda-chuva da chamada democracia orgânica, nos vários regimes sultanistas latino-americanos de Somoza, Trujillo, Stroessner, bem como nas ditaduras militares, seja sob o guarda-chuva da segurança nacional ou não, ou nas chamadas democracias populares, principalmente na Europa Oriental entre 1945 e o início da década de 1990.
Hoje, o ardil de apelar para a vontade popular se repete, embora em um contexto muito diferente. Práticas que, em princípio, são democráticas em termos de respeito à própria ideia de consulta ocultam componentes autoritários em estratégias que visam manter indivíduos ou projetos específicos no poder.
Desde a próxima eleição popular de magistrados no México, promovida na reta final do governo de Andrés Manuel López Obrador e adotada sem questionamentos por sua sucessora Claudia Sheinbaum, até a ameaça de reeleição inconstitucional de Donald Trump em 2028, ando pela consulta popular colombiana patrocinada por Gustavo Petro sobre a reforma trabalhista, o jogo político segue caminhos similares.
Nova plutocracia
No entanto, são os mecanismos mais sutis de informação e comunicação com os quais o mundo vem se socializando nas últimas cinco décadas, com seu uso e significado aguçados durante a pandemia, que canalizam grande parte da ação política atual. Soma-se a isso o monitoramento permanente dos índices de aceitação popular com os quais a dominação se justifica permanentemente.
A originalidade está na configuração de uma nova plutocracia em torno do complexo empresarial digital que penetra no mundo da política. A presença dos grandes magnatas deste último na posse do presidente dos EUA há cem dias foi uma prova clara disso, assim como a subsequente proeminência governamental de Elon Musk, que agora parece estar chegando ao fim.
A união dos dois representa uma concentração de poder diferente de tudo o que já ocorreu antes. O conhecimento imediato das preferências das pessoas, unido à capacidade de moldá-las em conjunto com o braço de aplicação da política, é uma mudança radical.
O caso de El Salvador
Em um esquema muito mais , o experimento salvadorenho foi e continua sendo um alerta para esse estado de coisas. Embora aqui ambos os fatores andem de mãos dadas com a mesma pessoa: o empresário publicitário e posteriormente político Nayib Bukele.
Primeiro, se tornou presidente mediante um processo eleitoral inquestionável em meio a uma grave crise sistêmica. Depois, deu início a um exercício de poder atrabiliário por meio de uma sofisticada equipe de comunicação. Agora, com base em uma ambição ilimitada e um total desvio autoritário, ele istra um modelo patético de venda de ilusões articulado em um padrão de país-prisão que é aplaudido e inserido na disrupção trumpista.
(*) Manuel Alcântara é diretor do Centro Internacional de Estudos Políticos e Sociais (Cieps), AIP-Panamá. Professor Emérito da Universidade de Salamanca e UPB (Medellín). Últimos livros: “O gabinete do político” (Tecnos Madrid, 2020) e “Traços de democracia fatigada” (Océano Atlántico Editores, 2024).
Tradução automática revisada por Isabel Lima