Movimentos orgânicos
Quatro personagens têm em comum a vivência de um enredo praticamente idêntico: após suas declarações – condenáveis sob diversos aspectos –, todos sofreram forte condenação pública

Uma ex-atleta de vôlei que se pronunciou publicamente contra a participação de atletas trans em modalidades esportivas femininas. Uma professora de português que se posicionou contra o uso da linguagem neutra. Um jogador de vôlei que criticou a inclusão de personagens homossexuais em histórias em quadrinhos de super-heróis. Um youtuber sem qualquer brilhantismo que, sob efeito do álcool, declara que a criação de um partido de orientação nazista no Brasil seria mero exercício da liberdade de expressão.
Esses quatro personagens têm em comum a vivência de um enredo praticamente idêntico: após suas declarações – condenáveis sob diversos aspectos –, todos sofreram forte condenação pública, o que colocou suas carreiras profissionais em xeque. Porém, ao mesmo tempo que foram rechaçados por muitos, foram também descobertos por outros públicos numerosos, o que colocou tais personagens no centro da polarização política que o Brasil vem vivendo.
Hoje, as quatro figuras relatadas têm novas carreiras profissionais, de inegável sucesso, que estão diretamente vinculadas com a defesa de posições políticas conservadoras. Nunca haviam sido ativistas políticos, porém as polêmicas nas quais esses se envolveram os arrastaram para esse lugar de fala.
Nos casos acima, mais do que criar “mártires”, a polarização política aumentou e consolidou a força política do lado conservador. Vários públicos que acompanhavam essas personalidades pela simples coincidência de interesses temáticos, e que nunca haviam se envolvido com a política partidária nacional, acabaram acompanhando a trajetória de seus ídolos – e hoje repercutem nas redes sociais as discussões que acontecem nas comissões do Congresso Nacional.
A trajetória pela qual aram essas quatro personalidades não teria a forte temática política se, alguns anos antes, a figura de Jair Bolsonaro não tivesse surgido como catalisador das frustrações gerais, associando-as a um roteiro do tipo “governo versus oposição”. Hoje, percebe-se que essa mensagem foi muito mais forte do que a figura pessoal de Bolsonaro – não importa o que o ex-presidente faça ou diga, é para a sua direção que corre a força política dos inconformados.
A força que o conservadorismo tem mostrado nas eleições legislativas é sinal do quão eficiente é essa rede capilarizada de lideranças temáticas, que se tornaram antiesquerda: sejam os esportistas, os gramáticos ou o público jovem da internet, cada grupo se reúne em torno das figuras nas quais confia, formando um movimento político colossal.
Em linhas gerais, esse é o perfil do novo público que se aglutinou à direita do campo político: não necessariamente ideológico, mas definitivamente orgânico – pessoalmente comprometido com essa nova jornada na política e, portanto, disposto a se manter engajado pelos próximos anos.
Aliados que considerarem esse novo público tietes de Bolsonaro, ou rivais que o subestimarem como fruto da desinformação e das redes sociais, ambos estarão equivocados em seus cálculos políticos.