OPINIÃO

Interventor federal

O governo federal está inovando em matéria de usurpação de poder federativo

Por Paulo Diniz Filho
Publicado em 04 de junho de 2024 | 07:00

A situação climática no Rio Grande do Sul amainou, porém os temporais políticos não dão sinal de trégua. Destaque para as acusações de uso político da tragédia, uma polêmica que reside na disparidade entre a capacidade de ação dos políticos e governos envolvidos. Em uma federação desequilibrada como a brasileira, na qual a União engole cerca de 70% da arrecadação nacional antes de distribuir gorjetas a Estados e municípios, esse questionamento é bastante válido.

Ocorre que, para além de fazer valer o peso de sua fortuna, o governo federal está inovando em matéria de usurpação de poder federativo: o regime de Brasília criou uma assustadora nova entidade, a Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul – com status de ministério e sede no território gaúcho.

O meio ambiente político vem acusando a secretaria extraordinária de ser exemplo de uso político da crise, especialmente porque o titular desta é aspirante à istração estadual gaúcha – o responsável pela comunicação de Lula, Paulo Pimenta. A acusação contra Lula e Pimenta faz sentido, uma vez que este se encarregará de entregar, direta e pessoalmente, as muitas benesses que o governo federal já anunciou que vai destinar ao povo gaúcho.

A projeção pessoal de Pimenta na política gaúcha, entretanto, já era fato consumado desde o momento em que Lula decidiu nesse sentido. Sendo parte do grupo governista, os bônus políticos são inevitáveis.

O problema, no entanto, reside na criação de uma entidade nova na estrutura do governo federal, com sede em um Estado federado, e na atribuição para realizar acordos, intermediar despesas, obras, contratações. Trata-se de entidade que concorre com o governo estadual, dotada de fartos poderes e orçamento, sem ter sido eleita pelo povo gaúcho para agir com esses poderes em seu território.

Na configuração proposta, a figura de Paulo Pimenta se assemelha à dos infames interventores federais – figuras apontadas pelo governo federal, sem eleição ou algo que o valesse, para governar os Estados de acordo com os interesses do presidente. Getúlio Vargas nomeou interventores em todos os Estados, temeroso de que governadores legítimos se unissem contra ele – não sem antes realizar um macabro ritual de queima das bandeiras estaduais.

É bom lembrar a essência democrática do regime federativo, que permite ao povo escolher líderes de diferentes orientações políticas para cada esfera de governo. Ao criar um governo paralelo no Rio Grande do Sul, Lula esvazia a escolha democrática do povo gaúcho, que elegeu Eduardo Leite para governar esse território em 2018 e em 2022. Nas votações presidenciais, os gaúchos não deram maioria aos candidatos petistas nas duas últimas eleições.

Consta que a medida provisória que criou a secretaria extraordinária não deverá ter tramitação fácil no Congresso. Resta torcer, assim, para que o Legislativo contenha essa medida exorbitante do governo federal – caso contrário, a tragédia humanitária se tornará também um desastre federativo.