Em vias de chegar ao plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a discussão de um perdão do Estado a dívidas tributárias acumuladas por locadoras de automóveis foi adiada nesta terça-feira (13). Em pauta na Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária, o Projeto de Lei (PL) 2.803/2021 recebeu 22 propostas de emenda do bloco de oposição ao governador Romeu Zema (Novo) e até da base, o que jogou a proposta para a reunião desta quarta (14).
A proposta levaria o Estado a abrir mão de dívidas acumuladas por locadoras desde 2017. Desde então, o setor de locação, que paga apenas 1% de IPVA, deve pagar um valor complementar caso um veículo, até então utilizado exclusivamente para locação, seja vendido via subsidiárias - hoje, a revenda é uma das principais fontes de receita das locadoras. Este valor complementar é a diferença entre a alíquota de 1% e a de 4%, que é a que qualquer contribuinte paga, mas proporcional à data de venda.
Contrária à proposta, a deputada Lohanna (PV) aponta que o perdão às dívidas levaria o Estado a renunciar entre R$ 600 milhões, “em uma estimativa mais otimista”, e R$ 1 bilhão, “em outra menos otimista”. “O dinheiro poderia virar hospital, centros de referência para autistas, melhorias em rodovias, mas não vai. O Estado, que de manhã diz estar endividado, de tarde está pronto para devolver este dinheiro para o bolso dos acionistas das locadoras de veículos”, critica a deputada.
De acordo com projeção do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinfazfisco), o Estado deixaria de arrecadar, no mínimo, R$ 460 milhões. O TEMPO questionou o governo se o Estado perderia arrecadação e qual seria a receita anual perdida caso o PL 2.803/2021 seja aprovado. Em nota, ele informou apenas que “não comenta a tramitação de projetos de lei e respeita a autonomia do Poder Legislativo para discutir temas de interesse público”.
Já o líder do governo Zema, Gustavo Valadares (PMN) argumenta que o Estado não abriria mão de receitas caso o texto seja aprovado. “Nós abriremos mão de receita caso rejeitemos o projeto. Essa é a grande diferença. E para ficar bem claro: esta é uma política de Estado, que já acontece em Minas desde 2003. Outros 17 estados, incluindo Rio de Janeiro, Paraná e São Paulo, cobram a mesma alíquota (1%) e estão loucos para o circo pegar fogo, rejeitarmos a matéria e receberem toda a frota de veículos hoje em Minas”, defende.
RRF. Também nesta terça, aliás, a proposta do governo Zema para a adesão do Estado de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), cujo objetivo é renegociar a dívida de cerca de R$ 160 bilhões do Estado com a União, voltou a tramitar na ALMG. Em busca de segurança jurídica, o Palácio Tiradentes quer a aprovação da Casa à adesão, que já é negociada entre o Estado e o Tesouro Nacional desde julho de 2022.
Emendas propõem extensão de alíquota diferenciada de IPVA
Conforme Lohanna, as emendas propostas pela oposição estendem o benefício a pessoas em situação de vulnerabilidade, como, por exemplo, a mulheres vítimas de violência doméstica, pacientes em tratamento oncológico e veículos das Santas Casas de Misericórdia e de centros de reciclagem. “Se pode dar uma isenção deste tamanho, desta monta para milionários, então a gente também deve ajudar a população que mais precisa”, defende.
Valadares, por sua vez, argumenta que o pagamento retroativo do IPVA complementar seria uma punição da oposição às locadoras. “É punir o Estado. É abrir mão de um setor que está todo, quase em sua totalidade, alocado em Minas Gerais, para que ele possa, apertando o botão ‘enter’ em um computador, transferir toda a sua frota para outro estado que esteja doido para recebê-lo”, reitera o líder de Zema.
Mas a oposição não é a única a questionar o PL 2.803/2021. O deputado Sargento Rodrigues (PL), que é da base do governo, questiona por que o governo abre mão de receitas se não tem condições de recompor as perdas inflacionárias salariais de 35,44% reivindicadas pelos servidores da segurança pública. “Se não tem condições, como abre mão de receita?”, critica.
Locadoras já foram à Justiça contra cobrança
Quando a cobrança pelo IPVA complementar sobre seminovos foi instituída - Lei 22.796/2017 -, locadoras ajuizaram uma ação junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para questionar a constitucionalidade da medida. Hoje, o pedido está em análise pelo Órgão Especial do TJMG. Até agora, dois dos desembargadores já votaram a favor da constitucionalidade da cobrança.
Como o prazo para a cobrança do IPVA complementar era de cinco anos, Zema, sob risco de ser responsabilizado, editou um decreto no último mês de dezembro para determinar que, até o fim daquele mês, as locadoras pagassem as dívidas acumuladas desde 2017 - Decreto 48.538/2022. O despacho levou as locadoras a, em outro processo, pedir a suspensão da cobrança do IPVA complementar, o que foi atendido em decisão liminar.