BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega à metade do seu segundo ano de mandato com o desafio de dar celeridade, no Congresso Nacional, às pautas econômicas para alcançar o equilíbrio fiscal para as contas públicas. Além das eleições em outubro, que fazem com que o Legislativo trabalhe em ritmo lento, o governo enfrenta obstáculos na articulação política com os parlamentares. 

Em entrevista a O TEMPO Brasília, no entanto, Lula negou que o governo tenha dificuldades com o Congresso e disse ainda que não acredita que o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), use a chamada “pauta de costumes” para pressionar o Executivo federal. 

Além da interlocução com o Parlamento, o presidente da República ressaltou outros temas importantes para Minas Gerais como a questão da dívida do Estado com a União e os pleitos deste ano e de 2026. Leia a entrevista na íntegra: 

Durante o primeiro ano de governo, o senhor não visitou Minas Gerais e foi cobrado por isso. Prefeitos do PT reclamaram da dificuldade de comunicação com o alto escalão do governo e da falta de atendimento às suas demandas. Agora, em 2024, é sua quarta visita ao Estado. Esses anúncios de ações e de obras foram suficientes para reverter esse quadro, principalmente, em um ano eleitoral?

No meu primeiro ano, eu precisei focar em recolocar o Brasil no mundo, restabelecer nossas relações internacionais, depois do estrago na imagem do país no governo anterior. Por isso, fiz muitas viagens ao exterior. Também ei mais tempo em Brasília porque a gente precisou focar em reorganizar o governo que havia sido destruído, desorganizado. E fizemos nesse processo medidas muito importantes para Minas Gerais.

Restabelecemos e fechamos um acordo sobre as receitas do ICMS para o governo do Estado que tinham sido retiradas pelo governo anterior, e fizemos o novo PAC, com as prioridades encaminhadas pelos governadores de cada Estado, que prevê investimentos de R$ 121 bilhões em Minas Gerais. E o PAC seleções que vai apoiar 647 obras em 368 municípios mineiros escolhidos pelos projetos que apresentaram, não por partido do prefeito. 

Quando chegamos ao governo o país não tinha projetos andando, tínhamos milhares de obras do Minha Casa Minha Vida que faltavam pouco para terminar e estavam abandonadas, sem conclusão. A gente plantou em 2023. Agora em 2024, estamos começando a colheita, a colher os resultados. Por isso que eu ainda vou voltar muitas vezes para Minas nesse mandato. 


O senhor chega a Minas, a menos de dois meses do início da campanha eleitoral, escolhendo cidades importantes para o PT, como Contagem e Juiz de Fora. Em Belo Horizonte, uma questão colocada é como será a sua participação na campanha. O senhor apoiará Rogério Correia (PT) ou há a possibilidade de apoiar o atual prefeito Fuad Noman, do PSD?

Acho que temos que esperar ainda para ver como vai se consolidar a disputa eleitoral, as candidaturas e alianças. Eu como presidente não quero entrar em disputas entre candidatos da base, do campo democrático. Mas vamos, sim, chamar a atenção para a importância de não se eleger negacionistas, gente que nega a democracia, nega a ciência, nega a inclusão social.

BH corre o risco de ter um segundo turno sem a participação da esquerda. Pesquisas de intenção de voto recentes indicam pré-candidatos de direita, centro e centro-direita na liderança. O senhor acredita que é preciso a formação de uma frente ampla da esquerda? O que é necessário para viabilizar essa união?

Tem uma frase que eu gosto muito do Paulo Freire, que diz que é preciso juntar os divergentes para vencer os antagônicos. Vamos ver se isso será possível em Belo Horizonte. As eleições locais nem sempre são nacionalizadas ou ideológicas, tem muitas questões locais.

A direita, e muito personificada no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tem intensificado apoio a pré-candidatos no interior do Estado. Como será a participação do senhor na campanha no interior de Minas? 

Eu respeito o cargo de presidente da República. Não vou fazer campanha em horário de trabalho. Então, eu vou ter menos tempo para fazer a campanha do que quem não tem a missão, como eu tenho, de reconstruir o Brasil.

Desde novembro do ano ado, está em curso uma negociação entre o Ministério da Fazenda, o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e governadores de Estados que possuem dívidas com a União. Minas Gerais tem uma dívida expressiva, com um ivo que chega a quase R$ 170 bilhões. O governador Romeu Zema (Novo) procurou o senhor recentemente para pedir celeridade na proposta final? O que ainda falta para que esse plano seja implementado?

É importante lembrar que, desde o início de seu primeiro mandato, o governador Romeu Zema foi beneficiado por uma liminar concedida pela Justiça ao ex-governador Fernando Pimentel (PT) para não pagar as parcelas da dívida. Em todo este tempo, o governador não precisou pagar as parcelas e, mesmo assim, a dívida subiu de pouco mais de R$ 100 bilhões para os atuais cerca de R$ 170 bilhões. 

Esta autorização para não pagamento das parcelas da dívida foi renovada agora, no final de abril, por mais 90 dias, pelo Supremo Tribunal Federal. Este tempo adicional é importante para negociarmos, de forma séria, esta questão que o governo anterior não resolveu.

Meu governo tem toda disposição para negociar uma solução porque entendemos que isto é importante para o povo de Minas Gerais. Vamos dar tratamento adequado a cada Estado, de forma séria. Já apresentamos, para o conjunto dos Estados, uma proposta, que está sendo discutida, de redução da taxa de juros incidente sobre as dívidas estaduais no período 2025-2030 em troca da criação e ampliação de matrículas em educação profissional técnica articulada ao ensino médio em tempo integral.

Os Estados poderão aderir ou não a este programa, mas se cumprirem as metas de expansão das oportunidades de educação a redução da taxa de juros torna-se permanente. No caso de Minas Gerais, provavelmente, precisaremos de mais instrumentos para uma renegociação consistente, diante do tamanho e do crescimento da dívida nos últimos cinco anos.

O ministro Haddad está conversando com o senador Rodrigo Pacheco e com o governador Zema para construir uma solução adequada. Há várias alternativas na mesa, como, por exemplo, a sugestão do senador, de federalizar empresas mineiras, como a Cemig e a Codemig. Com seriedade e compromisso com o povo mineiro, vamos alcançar uma solução. 

As eleições de 2026 estão distantes, mas as negociações estão em curso. O senhor continua preferindo o nome de Rodrigo Pacheco para a disputa pelo governo de Minas Gerais?

As eleições de 2026 estão distantes, como você mesmo disse. Nem o cenário de candidato a prefeitos em 2026 está consolidado, imagina o de governadores daqui a dois anos. Mas claro que o presidente do Senado é um grande nome, teve uma atuação importante na defesa da democracia.

O Palácio do Planalto tem enfrentado dificuldades em votações no Congresso, especialmente na "pauta de costumes". A base de apoio, composta por partidos do "centrão", tem demonstrado infidelidade em várias ocasiões. A aliança com o "centrão" não está produzindo os resultados esperados? O governo pretende exigir maior fidelidade desses partidos?

Eu discordo. O governo aprovou tudo que era importante no Congresso, com muito diálogo. A PEC da transição, antes mesmo da posse, a reestruturação do governo, o arcabouço fiscal, e em especial a reforma tributária, que ninguém achava possível. O que existe são alguns grupos que tentam pautar questões de apelo e debate nas redes sociais. O governo não tem entrado nesses projetos. E o governo não tem aliança com o “centrão”, mas com deputados e partidos, para os assuntos que são importantes nem é para o governo, mas para o Brasil.

Nos últimos dias, o Congresso avançou em pautas de costumes, como o PL do Aborto, a PEC da Anistia, e a PEC que autoriza trabalho a partir dos 14 anos, além de investidas contra o Judiciário. O senhor acha que o presidente da Câmara, Arthur Lira, está usando essas pautas para pressionar o governo?

Não, não acho.