TENTATIVA DE GOLPE

Comandante do Exército no 8 de janeiro diz não saber motivo pelo qual foi demitido por Lula

Ex-comandante foi acusado de impedir entrada da PM em QG para prender participantes dos atos que pediam intervenção militar contra posse de Lula 

Por Renato Alves
Atualizado em 22 de maio de 2025 | 10:43

BRASÍLIA – Em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (22), o  ex-comandante do Exército Júlio Cesar de Arruda afirmou desconhecer o motivo de sua exoneração no cargo, determinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva após 21 dias de governo.

“Vou ser sincero: não sei. Essa pergunta eu acho que não cabe ser feita a mim. Tem que fazer a quem me nomeou e quem me exonerou”, disse Arruda em resposta feita pela defesa do general Braga Netto, durante sessão realizada pela Primeira Turma do STF.

Arruda foi o primeiro comandante do Exército no terceiro mandato de Lula, mas foi demitido em 21 de janeiro de 2023. Um dos motivos foi a resistência em revogar a indicação de Mauro Cid para comandar o 1º Batalhão de Ações e Comandos, em Goiânia, unidade de elite do Exército. 

Arruda também foi criticado por ter resistido tanto à retirada do acampamento montado em frente ao Quartel General do Exército quanto à prisão imediata dos integrantes do acampamento após os atos de janeiro. A prisão só ocorreu na manhã seguinte.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, questionou Arruda nesta quinta sobre o motivo de ter impedido policiais militares de entrar no QG para cumprir ordem judicial e prender os manifestantes. O general alegou que só  queria uma entrada “coordenada” no local.

“Eu não neguei. Quando aconteceu tudo lá [o 8 de Janeiro], eu fui para o QG. Estava ali do meu lado o ministro [da Defesa] José Múcio. Lá pela noite, quando parte dos manifestantes estava voltando para a Praça dos Cristais, recebi a informação de que a polícia ia prender todo mundo. Eu mandei coordenar isso aí. Chamei o interventor [Ricardo Cappelli], e tivemos uma conversa para acertar. Quando chegou a Defesa, [o ministro da Justiça, Flávio Dino] Justiça e o general Dutra, nós sentamos, acertamos o que seria feito. Foi dessa forma que foi feito”, respondeu.

Relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes lembrou que a ordem expressa à PM para prender os manifestantes partiu dele. Moraes lembrou que o coronel Fábio Augusto, da PMDF, disse ter ouvido de Arruda a seguinte frase na noite de 8 de janeiro, em frente ao QG: “O senhor sabe que minha tropa é maior que a sua”. 

O ex-comandante do Exército alegou que não se lembrava de ter tido tal frase. “Eu já respondi isso [em depoimento à PF], e vou responder de novo. Minha função era acalmar. Isso tem que ser feito de forma coordenada. Foi feito com o ministro Flavio Dino, Rui Costa e José Múcio”, ressaltou o general.

A Primeira Turma do STF ouviu nesta quinta oito testemunhas indicadas pelo tenente-coronel Mauro Cid no processo que apura tentativa de golpe de Estado em 2022. As audiências ocorreram por videoconferência e foram comandadas pelo relator do caso, Alexandre de Moraes.

PGR diz que Bolsonaro sabia de plano e ex-comandante da Marinha confirma

Em março, Bolsonaro e mais sete denunciados viraram réus no STF e aram a responder a uma ação penal pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

De acordo com a PGR, Bolsonaro sabia do plano intitulado “Punhal Verde e Amarelo”, que continha o planejamento e a execução de ações para ass Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes.

A procuradoria também garante que o ex-presidente sabia da minuta de decreto com o qual pretendia executar um golpe de Estado. O documento ficou conhecido durante a investigação como “minuta do golpe”. Até agora, dos 34 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no inquérito do golpe, 31 foram processados.

Na quarta-feira (21), o ex-comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, afirmou, em depoimento ao STF, que, em novembro de 2022, o então comandante da Marinha, almirante de esquadra Almir Garnier Santos, colocou suas tropas à disposição de Bolsonaro para um intento golpista.

Baptista Junior, que comandou a Força Aérea Brasileira (FAB) de abril de 2021 a dezembro de 2023, foi ouvido como testemunha de acusação. Baptista Junior disse que ele e o ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, se opam ao posicionamento de Garnier e tentaram dissuadir Bolsonaro da ideia de impedir a posse de Lula.

“O almirante Garnier não estava na mesma sintonia, na mesma postura que o general Freire Gomes. Em uma dessas reuniões, chegou a um ponto em que ele falou que as tropas da Marinha estariam à disposição do presidente”, afirmou Baptista Junior.

O ex-comandante da FAB declarou ainda que o general Freire Gomes ameaçou prender Bolsonaro caso fosse decretada uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para evitar a posse de Lula. O episódio, relatou, ocorreu em uma reunião no Palácio da Alvorada, também em novembro de 2022. 

“General Freire Gomes é uma pessoa polida. Não falou com agressividade, mas foi isso que ele falou: 'Se o senhor fizer isso, vou ter que te prender'. Foi algo assim”, disse o ex-chefe da Aeronáutica.

Na segunda-feira (19), em depoimento ao STF também como testemunha de acusação, Freire Gomes afirmou que não deu voz de prisão a Bolsonaro. “O que alertamos ao presidente foi que no Exército não iríamos participar de qualquer coisa que extrapolasse nossa competência constitucional”, afirmou o general.