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Secretário de Fuad foi contra mudanças no Plano Diretor em estudo técnico
Estudo assinado pelo chefe da Política Urbana da PBH, João Antônio Fleury, contradiz projeto defendido pelo Executivo na Câmara

Um estudo técnico assinado pelo próprio secretário municipal de Política Urbana, João Antônio Fleury, em outubro do ano ado, contradiz o Projeto de Lei 508/2023, que altera o Plano Diretor de Belo Horizonte. O texto, enviado pelo prefeito Fuad Noman (PSD) à Câmara de BH, deve ser votado nesta sexta-feira (28/4) em segundo turno. A contradição foi evidenciada na manhã desta quinta (27/4), a partir de coletiva de imprensa organizada por professores da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (EA-UFMG).
Toda a questão gira em torno da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) aplicada dentro do perímetro da avenida do Contorno. A OODC se trata de uma taxa que todo empreendedor, que deseja erguer um imóvel neste local, precisa pagar caso queira ultraar o coeficiente máximo previsto para um imóvel naquele espaço específico. O PL apresentado por Fuad à Câmara quer dar descontos à OODC atual, sob a justificativa de que as taxas cobradas no momento desmotivam o investimento do setor da construção civil no hipercentro, desocupando esse espaço da cidade. A proposta é amplamente defendida pelo presidente da Câmara de BH, vereador Gabriel Azevedo (sem partido), e pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
No entanto, no documento apresentado pelos professores, o secretário João Antônio Fleury defende somente a atualização da outorga onerosa atual, em vez de aplicar descontos na taxa, como o PL em tramitação quer. "Este exemplo (uma simulação feita pelo estudo) ilustra a importância de que a planta de valores, utilizada como referência para cobrança da OODC, não apenas corresponda fielmente ao praticado pelo mercado, mas que se mantenha atualizada e sensível a flutuações temporais dos valores de mercado, sendo ajustada de forma proativa", escreve Fleury no estudo.
A contradição foi apresentada pelo professor Sílvio Motta, presidente em Minas Gerais do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-MG). “Foi o único estudo que nós recebemos da prefeitura para justificar o PL 508. Nos surpreende, porque é um estudo que na verdade mostra que a outorga, do jeito que está, cumpre o papel dela de valorização dos terrenos no Centro da cidade. Na audiência na Câmara, nós fizemos a solicitação à prefeitura para que ela apresente todos os estudos. Estamos aguardando”, criticou o docente.
Sobre o estudo assinado pelo secretário João Fleury, a prefeitura informou que "o modelo inicial foi reformulado a partir da análise de diversos dados disponíveis no Portal de Dados Abertos, de avaliação jurídica e de discussões internas no Executivo culminando na redação inicial do PL assinado pelo prefeito e encaminhado à CMBH".
Renúncia fiscal
Ainda nesta quinta, os professores da UFMG apresentaram um documento obtido via Lei de o à Informação (LAI), que trata da outorga onerosa já concedida pela prefeitura de fevereiro deste ano até 2019, quando o atual Plano Diretor entrou em vigor na cidade. Cálculos apresentados pelos docentes mostram que a PBH já arrecadou cerca de R$ 100 milhões com essa taxa, o que, na visão dos especialistas, contradiz a tese de que o Executivo precisa dar descontos na OOCD para atrair investimentos da construção civil, como alegado por Fuad Noman no texto enviado à Câmara.
“Cerca de 41 mil metros quadrados de outorga onerosa foram aplicados nos últimos três anos. Pegando uma média de R$ 7 mil por metro quadrado, isso daria mais de R$ 100 milhões em outorga onerosa utilizada nos projetos que já foram fechados e que estão com protocolos em aberto. Esse valor é muito alto e torna indecente esse desconto de 65%. Inclusive, porque esse PL 508 dá um desconto retroativo. Então, aqueles projetos já protocolados com solicitação de outorga onerosa poderão pagar até 65% menos (de taxa)”, diz o professor da UFMG Roberto Andrés.
Andrés lembrou que a prefeitura pode justificar que parte dos empreendimentos da cidade podem não solicitar a outorga onerosa, optando por outro tipo de bônus para construções elevadas, a chamada Transferência do Direito de Construir (TDC). A TDC é vendida por proprietários de imóveis tombados pelo patrimônio histórico, que poderiam construir em espaços maiores, mas precisam manter a estrutura como está. Então, eles acabam vendendo esse direito para outros empreendimentos.
O problema dessa lógica, segundo o especialista, é que a oferta de TDC na cidade está muito abaixo da demanda. "Durante o período de transição do Plano Diretor, foram consumidos cerca de 85 mil metros quadrados de TDC. Só que a PBH ainda tem 117 mil metros quadrados de TDC indicados em projetos. O problema é que o mercado só dispõe hoje de aproximadamente 50 mil metros quadrados. Esses empreendedores serão obrigados a recorrer à outorga onerosa. Então, a prefeitura faz evidente renúncia de receita em benefício de entes particulares e em prejuízo dos mais vulneráveis", afirma Roberto Andrés, da UFMG.
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte esclareceu que "a arrecadação do município é contabilizada pelo que está efetivamente em caixa. Isso significa que a data da receita corresponde aquela em que os recursos entraram nos cofres públicos, e não aquela de constituição do crédito (no caso, do pedido de outorga)".
Segundo o Executivo, em 20 de abril de 2023, "as receitas referentes à outorga onerosa do direito de construir (OODC) totalizam R$ 2.388.433,25 – dinheiro destinado ao Fundo Municipal de Habitação, para aplicação em programas da Política Municipal de Habitação. Este valor é considerado pouco significativo diante do volume total das receitas municipais, o que demonstra que o instrumento foi utilizado de forma pouco efetiva neste tempo em que esteve em vigor o Plano Diretor – desde fevereiro de 2020".
A prefeitura ainda ressaltou que "os projetos podem não ser aprovados ou pode haver a desistência do uso da OODC por aqueles que já a adquiriram". O Executivo municipal também informou "que o conceito de renúncia fiscal limita-se às receitas tributárias", já que a outorga onerosa não se trata de tributo.
Localização pesa mais que outorga
Outro estudo apresentado pelos professores da UFMG alega que os descontos dados aos empreendedores no perímetro da avenida do Contorno no âmbito da outorga onerosa não faz sentido do ponto de vista da demanda. Para os docentes, a procura por imóveis no Centro-Sul da cidade se mantém independente do custo da outorga, pois há um elemento singular nessas residências: a localização privilegiada.
“Se um apartamento na região Centro-Sul custa R$ 1 milhão, ele custaria R$ 35 a R$ 50 mil a mais com a outorga onerosa. Será que quem tem condições de pagar esse preço por um imóvel deixaria de morar no perímetro da Contorno por conta desse pequeno aumento? Sem contar a negociação da compra, que sempre tende a favorecer o comprador. É mentira essa tese de que não existirá demanda com o coeficiente atual”, afirma o professor da UFMG Carlos Alberto Maciel.
Outro gráfico apresentado pela professora Jupira Mendonça, que também dá aulas na UFMG, mostra que a área construída na região Centro-Sul da cidade subiu em 2020 e 2021. Só houve queda de fato entre 2015 e 2017, quando o setor da construção civil sofreu uma crise em todo Brasil diante dos reflexos da Operação Lava-Jato nas grandes empresas do ramo.