Quer conhecer o Cemitério de Bonfim? Iepha lança publicação inédita
Estudo valoriza a necrópole de Belo Horizonte como atrativo turístico e educativo; visita guiada é gratuita, mensal, temática e exige inscrição prévia
Parece estranho convidar um turista (ou mesmo um morador) para fazer um eio a um cemitério, mas a prática é muito comum no mundo. O necroturismo atrai, ao menos, cerca de dois milhões de vivos, todos anos, pelas alamedas do Père-Lachaise, o cemitério construído por Napoleão Bonaparte em 1804. O programa também é comum em cidades como Buenos Aires (Cementerio de la Recoleta), Los Angeles (Hollywood Forever Cemetery) e Londres (Abadia de Westminster).
No Brasil, um dos cemitérios mais famosos é o de São João Batista, no Rio de Janeiro, intitulado “Cemitério das Estrelas, onde estariam enterrados o arquiteto Oscar Niemeyer, a cantora e atriz Carmen Miranda, os compositores Tom Jobim e Vinícius de Moraes, os cantores Cazuza e Clara Nunes, o poeta Carlos Drummond de Andrade, o pintor Cândido Portinari, o aviador Santos Dumont, o apresentador Chacrinha, o escritor José de Alencar e o político Luís Carlos Prestes. Em 2015, o jornal O TEMPO revelou a descoberta do túmulo de uma hermafrodita do final do sécuo XIX, Herculine Bardin, que intrigou uma arqueóloga.
O necroturismo não para crescer e já faz parte dos guias de viagens. No Brasil, os eios são menos populares, mas alguns oferecem visitas a túmulos e catacumbas, o lugar de descanso eterno de celebridades e personagens históricos. Por outro lado, as visitas promovem os cemitérios como espaços de arte, cultura, educação e memória.
Em Belo Horizonte, o Cemitério do Bonfim, no bairro homônimo, na região noroeste da cidade, foi incluído nos roteiros nos roteiros turísticos e culturais desde 2013, por meio da Lei 10.655/2013 e está aberto à visitação, abrangendo 16 quadras e túmulos de maior representatividade em aspectos históricos, artísticos e materiais. Para valorizar a necrópole da capital, uma equipe do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG, foto abaixo), apresentou, nesta segunda-feira (12/5), no próprio cemitério, a mais recente edição de sua série “Cadernos do Patrimônio”.
A publicação
Intitulado “Cemitério do Bonfim: Patrimônio Cultural, Arte e Fé”, o estudo reúne, de forma inédita, dados sobre sua fundação, arquitetura, esculturas funerárias e personagens notáveis sepultados ali, entre eles o ex-presidente Olegário Maciel, os ex-governadores Silviano Brandão, Benedito Valadares e Raul Soares, os ex-prefeitos Otacílio Negrão de Lima e Cristiano Machado, o escritor Achilles Vivacqua e Júlia Kubitschek, mãe de JK.
A publicação destaca o Bonfim como um museu a céu aberto, onde se cruzam religiosidade, urbanismo e expressão artística. “A publicação do caderno incentiva novas pesquisas e ações que garantam a salvaguarda desse bem cultural inestimável e revela a complexidade simbólica do Bonfim, apresentando um panorama detalhado de sua construção, evolução e das manifestações culturais e religiosas que ali ocorrem”, ressalta Leônidas Oliveira, secretário de Estado de Cultura e Turismo.
“Cemitério do Bonfim: Patrimônio Cultural, Arte e Fé” aborda a trajetória da necrópole desde a sua fundação até os dias atuais, analisa as esculturas e iconografias funerárias do início do século XX, entre elas o túmulo de Olegário Maciel, ex-governador de Minas, todo em art déco (foto acima), e destaca detalhes arquitetônicos e simbólicos em imagens inéditas do fotógrafo e professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Zé Rocha.
A publicação também identifica, por meio de cuidadoso inventário, os artistas cujas obras enriquecem a paisagem do cemitério. Destaque também para as obras de arte presentes nos túmulos, como esculturas de mármore e ferro fundido, que revelam estilos e tendências estéticas de diferentes épocas. Embora não haja um número exato de obras catalogadas, estima-se que 40% dos cerca de 5.000 túmulos presentes no cemitério contenham elementos artísticos, como esculturas, bustos e imagens assinadas por artistas renomados, incluindo os irmãos Natali e João Amadeu Mucchiut.
Em 2024, o Iepha-MG promoveu um Inventário Cultural Participativo do Cemitério do Bonfim, envolvendo a comunidade local em oficinas, entrevistas e caminhadas orientadas pelo historiador Éder Oliveira. A iniciativa, realizada em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte e a Fundação Municipal de Cultura, teve como objetivos registrar saberes e memórias das famílias enlutadas e frequentadoras do Bonfim e mapear e documentar elementos artísticos vulneráveis a furtos e depredações.
Segundo o presidente do Iepha-MG, João Paulo Martins, o inventário do cemitério, tombado desde 1977, valoriza a memória da produção artística de Belo Horizonte: “O inventário envolveu não apenas a catalogação dos elementos artísticos, mas também a participação ativa das pessoas que cuidam, transitam e convivem diariamente com esse bem, fortalecendo assim os vínculos com a história e o patrimônio da cidade”.
O cemitério
Primeiro cemitério da cidade, a história do Bonfim se confunde com a de Belo Horizonte, até porque seu traçado foi projetado sob supervisão técnica da Comissão Construtora da Capital. A necrópole foi instalada na parte mais alta da cidade, fora da avenida do Contorno. Até 1942, foi o único cemitério da cidade, quando então foi inaugurado o Cemitério da Saudade, na zona leste. Mais de 200 mil pessoas já foram enterradas lá. O primeiro túmulo é o de Bertha Adele Théreze de Jaegher, filha do engenheiro belga Joseph François Charles de Jaegher, que trabalhou na construção da Belo Horizonte (foto acima). Ela fpi enterrada em 14 de fevereiro de 1877, antes mesmo da inauguração da nova capital. Os primeiros jazigos foram feitos por artistas e ateliês da época envolvidos nas construções dos prédios públicos e residências de personalidades ilustres da recém-inaugurada capital.
Entre as curiosidades do Cemitério do Bonfim estão:
- Túmulos com colunas quebradas carrega uma mensagem: significa que a estrutura da família se rompeu;
- A capelas jazigo, como de Antonio Falci, com suas colunas coríntias e o frontispício, revelam as características da família;
- Há túmulos em granito rosa feito por marmoristas da época, como a da família Natali;
- Na praça Central está o túmulo cívico de Otacílio Negrão de Lima, ex-prefeito por duas gestões (foto acima), e retrata a República com as figuras da retórica e da justiça;
- O túmulo de Olegário Maciel é todo em art decó e em forma piramidal, com as inscrições Lex (Lei) Justitia (Justiça) e Labor (Trabalho);
- A beata Irmã Benigna (foto abaixo), reconhecida pelo Papa Francisco por seus milagres, tem um túmulo sob uma goiabeira e está enfeitado de flores. É um dos mais mais bonitos e visitados do cemitério.Outro local de peregrinação é o jazigo de Irmã Marlene;
- Entre os artistas enterrados estão o compositor Fernando Brant, o ator e diiretor João Ceschiatti, o Achilles Vivacqua, irmão de Luz del Fuego, e o cineasta Igino Bonfioli;
- A primeira mulher a escrever um livro, Leodegária de Jesua, contemporânea de Cora Coralina, que participou de diversos movimentos literárias, está enterrada em um jazigo modesto.
As visitas guiadas
O Cemitério do Bonfim tem a história contada através de diversificadas obras de arte. O projeto Visita Guiada ao Cemitério do Bonfim é realizado gratuitamente desde 2013 pela Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica (FPMZB), e a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Além de resgatar a história do Cemitério do Bonfim, o caderno propõe sua valorização como atrativo turístico e educativo.
“O Bonfim guarda consigo uma história que o transforma em espaço singular, pleno de significados e significâncias. Explorar este mundo de histórias e memórias possibilita a ampliação de nossa compreensão dos sentidos e significados da morte e, ao mesmo tempo, da complexidade e diversidade da vida”, conclui Marcelina de Almeida (foto acima), professora da Escola e Design da UEMG e coordenadora o programa educativo Cemitério do Bonfim: arte, história e educação patrimonial.
O público é convidado a fazer uma imersão na história da necrópole: a visita tem duração de cerca de três horas, são mensais, abordam temas específicos e são limitadas a 40 pessoas por encontro – a próxima acontece no dia 25/5 com o tema “As pessoas profissionais da saúde: memória e história”. A atividade tem por objetivo apresentar aos participantes a riqueza arquitetônica e cultural do cemitério.
Entre os destaques etá o prédio construído na antiga entrada do cemitério (foto acima), datado 1895, que foi desativado por volta de 1902. Ali eram tratados os mortos, mas com a criação das casas funerárias, a edificação foi adaptada para capela. Parte do material foi trazido da Bélgica e guarda elementos da época, como o piso e o portão de ferro com temas relacionados à morte.
Segundo a historiadora Marcelina de Almeida, responsável pela visita guiada, desde 2018 são trabalhados roteiros específicos para trabalhar mais e melhor o acervo do cemitério. "As visitas não são diárias, porque não temos pessoal para isso. Como as visitas são gratuitas,não conseguimos ainda criar um calendário diário. O que agente vem fazendo são parcerias com a Belotur e as agências, qualificando as pessoas, para que elas possam fazer as visitas", destaca.
Confira as datas das visitas e os temas:
25/5: As pessoas profissionais da saúde: memória e história
29/6: Esporte e esportistas no espaço cemiterial
27/7: Escritoras e escritores: o Bonfim e a literatura
31/8: Arte e artistas no espaço cemiterial
28/9: Signos e símbolos no espaço cemiterial
26/10: A trajetória das pessoas imigrantes no cemitério do Bonfim
30/11: Paisagem cultural: uma visão do Bonfim
Serviço:
O quê: Cemitério do Bonfim
Visitas guiadas: e a programação completa e faça a inscrição no site PBH.
Publicação “Cemitério do Bonfim: Patrimônio Cultural, Arte e Fé”: e o PDF Cemitério do Bonfim.