‘Ainda Estou Aqui’: lições para quem quer investir
Relação entre os riscos do projeto e a taxa de desconto
No dia 10 de março, a “Exame” noticiou que o filme “Ainda Estou Aqui” estava em cartaz em mais de 750 salas nos EUA, com uma bilheteria mundial de mais de US$ 35 milhões. Desde que estreou, em setembro de 2024, a produção venceu mais de 40 prêmios, inclusive o aclamado Oscar de Melhor Filme Internacional, que comoveu os brasileiros.
Casos de sucesso como esse podem servir de referência para quem tem desafios complexos a enfrentar na vida pessoal ou profissional. Espelhar-se no que foi feito por quem atingiu seus objetivos não garante seu próprio êxito, mas pode ajudar bastante. Projetos como o “Ainda Estou Aqui” parecem ser fruto da conciliação de talentos individuais com trabalho em equipe, da criatividade com o profissionalismo. Não precisa investigar muito para perceber que é resultado de persistência, experiência e excelência na alocação de recursos.
Mas o que podemos tirar dessa produção sob a óptica da avaliação de investimentos? Quando alguém quer desenvolver um filme, ou qualquer outro projeto que demande investimentos hoje para colher lucros no futuro, precisa provar a investidores (ou a si mesmo) que será um dinheiro bem investido.
Assim, avaliar uma oportunidade de investimento requer estimar quanto essa oportunidade deve gerar ao longo do tempo e aplicar um desconto sobre isso para levar em conta a incerteza envolvida. No caso de uma produção audiovisual, espera-se determinada audiência, mas há diversos casos de filmes aparentemente bem-trabalhados que não atraíram muitos espectadores ou custaram mais caro que esperado.Mas por qual taxa devemos descontar os valores que estão no futuro? Definir este que é chamado de “custo de capital” não é simples. Faz sentido descontar mais aquilo que é mais arriscado, mas também é razoável imaginar que o mercado só paga pelo risco que não pode ser evitado. Foi com base nesse pensamento que renomados pesquisadores propam o CAPM na década de 1960, amplamente utilizado para avaliação de investimentos.
O CAPM leva em conta o fato de que, ao investir seu dinheiro em uma quantidade razoável de diferentes projetos (a famosa diversificação), o investidor se protege de flutuações específicas nos resultados de cada projeto. Em outras palavras, o resultado abaixo do esperado de um projeto normalmente será compensado pelo acima do esperado de outro. Isso acontece apenas quando se trata de fatores específicos de cada projeto, ou seja, não vale quando o motivo do desempenho de um projeto é abrangente a ponto afetar outros projetos, como o estado geral da economia: se a economia vai mal, todos os projetos são de alguma forma afetados, e, por isso, diversificar não protege contra esse tipo de risco.
Acontece que alguns projetos são bastante sensíveis ao desempenho da economia, enquanto outros nem tanto. A venda de carros, por exemplo, tem um desempenho bastante em linha com o da economia em geral, então seu custo de capital será mais alto: é um risco que o investidor não compensa por meio da diversificação.
Mas e quanto à indústria cinematográfica? É claro que uma produção audiovisual pode ser um projeto bastante arriscado, com incerteza sobre a bilheteria. No entanto, o desempenho de um filme tem muito menos relação com o estado da economia. Dizemos nesse caso que é um risco mais específico, sendo assim mais fácil reduzi-lo pela diversificação.
Como toda teoria, o CAPM tem limitações, mas continua sendo uma importante referência para quem atua no mercado financeiro ou quer desenvolver projetos.
(*) Doutor em controladoria e contabilidade pela USP e pós-doutor na linha de estratégia da FGV Ebape.