A culpa é da galinha
Política econômica, inflação e o preço do ovo
Na economia, a inflação é o que mais incomoda trabalhadores, famílias, donas de casa. Ela tem um irmão gêmeo perverso, que é o desemprego. Mas que afeta apenas o desempregado. A inflação não, ela afeta todo mundo. O IBGE publicou o IPCA-15 de março. A inflação anual bateu em 5,26%. Quem mais sofre com a inflação são os mais pobres, que perdem poder de compra. E, quando a inflação foge do controle, como já aconteceu no Brasil antes do Plano Real, a economia sai dos trilhos, e não há desenvolvimento consistente e sustentado possível.
A inflação costuma afetar diretamente a avaliação dos governos. Tudo indica que foi determinante nas derrotas do ex-presidente dos EUA Joe Biden e do ex-primeiro-ministro alemão Olaf Scholz. Muitos analistas de opinião pública associaram a recente queda de apoio ao presidente Lula ao recrudescimento da inflação, particularmente a dos alimentos.
O ovo de galinha foi o grande vilão, com um aumento de 19,44%. Será culpa das galinhas? Certamente não. O preço dos alimentos tem um processo de formação complexo, que combina eventos climáticos, preços e demanda internacionais, sazonalidades, custo de insumos. Para a rejeição popular não recair apenas sobre as galináceas, o tomate e o café moído apareceram como coadjuvantes no drama da economia popular com altas de 12,57% e 8,53%, respectivamente.
A inflação dos últimos 12 meses (5,26%) ficou bastante distante da meta inflacionária fixada pelo Conselho Monetário Nacional, de 3,0%. O boletim Focus, média das expectativas de mercado, projeta uma inflação de 5,65% em 2025.
Inflação alta, além de ser um injusto mecanismo de transferência de renda contra os mais pobres, determina juros altos. Esse foi o motivo de, recentemente, o Comitê de Política Monetária subir a taxa básica de juros (Selic), que orienta todas as demais, para 14,25%. Juros altos freiam a economia por seus impactos no investimento e no consumo.
O objetivo do Banco Central é esfriar a economia, que está excessivamente aquecida e sem capacidade ociosa para um crescimento sem inflação. A opinião pública em geral não entende isso. Parece uma perversidade maligna da direção do Banco Central, mas não é. O senso comum tende a pensar: “crescer é bom, gera empregos”. Sim, desde que seja sustentável. Fora isso, logo, logo virá o cavalinho de pau e a crise. Foi o que aconteceu no governo Dilma de 2014 a 2016, após os estímulos artificiais e voluntaristas do período anterior. Incremento induzido de demanda sem ampliação da oferta, numa situação de quase pleno emprego, dá em inflação.
O problema é que a atual política econômica dá sinais evidentes de esquizofrenia. De um lado, o Banco Central pisa no freio. Do outro, o governo federal acelera. Todas as últimas medidas apontam na direção do aquecimento da demanda por bens e serviços: política fiscal expansionista com déficits primários nos últimos dois anos, liberação de saques do FGTS, facilitação do crédito consignado para o setor privado, isenção do IR para quem ganha até R$ 5.000 mensais.
Política econômica é igual cobertor curto, puxa de um lado, vaza do outro. Seus três objetivos essenciais (crescimento acelerado, estabilidade cambial e monetária e distribuição com equidade da renda e da riqueza) nem sempre são solidários.
Governar é fazer escolhas. Não está claro aonde vai dar o caminho escolhido.