A direita, a esquerda e o diabo no meio do redemoinho
Mundo democrático em turbulência com Trump e Putin
O mundo anda de cabeça para baixo. Figuras deletérias, exóticas, autoritárias e disruptivas como Trump e Putin ajudam a embaralhar ainda mais as cartas e tornar o futuro nebuloso. Putin, um líder de direita, que tem entre os principais aliados governos de “esquerda”. Trump, que tenta impor uma confusa liderança sobre o mundo ocidental. Enquanto isso, nos escombros do socialismo real e longe das pedras do Muro de Berlim, a China, de camarote, munida de paciência estoica e sabedoria confucionista, preparou silenciosamente o salto de qualidade de seu “socialismo de mercado” ou “capitalismo de Estado”, como se queira.
A extrema direita cresce na Europa e nos EUA. Parte da esquerda se perdeu na agenda identitária, distanciou-se do povo e colheu derrotas. A social-democracia sobrevive no governo trabalhista inglês de Keir Starmer e do socialista espanhol Pedro Sanchez. O tsunami provocado pela onda Trump transformou-o em excelente cabo eleitoral – para os adversários. No Canadá e na Austrália, a social-democracia reverteu derrotas certas graças, em grande parte, ao fantasma Trump.
Ontem, sexta-feira, cerca de 30 chefes de Estado celebraram a vitória da União Soviética sobre o nazifascismo, quando cerca de 20 milhões de russos morreram. A resistência heroica do povo russo em Moscou e Stalingrado é reconhecida por todos. Mas as comemorações do 9 de Maio pelos russos, dentro do contexto da Guerra Fria, é uma evidente confrontação estabelecida por Stalin com as festas que revivem o Dia D e a vitória ocidental sobre Hitler.<
Mas nem tudo é tão claro no confuso mundo contemporâneo. Putin é tido por parcela da bolha da extrema direita como parte integrante do movimento comunista internacional, como se fosse um sucedâneo da antiga URSS. Putin é um verdadeiro “artista” treinado em seus anos de KGB. Está há 25 anos no poder, ligado à Igreja Cristã Ortodoxa Russa, consegue a façanha de ser amigo e aliado simultaneamente de Donald Trump e Nicolás Maduro.
Lula e o risco da viagem a Moscou
Controla a imprensa, persegue a comunidade LGBT, combate os direitos humanos, é acusado de envolvimento no assassinato dos principais adversários e retomou o expansionismo territorial russo e o sonho da velha “Mãe Rússia”, com uma ousada e unilateral invasão da Ucrânia, que o coloca em radical confrontação com a União Europeia.
Lula, ao aceitar o convite de Putin, fez um movimento extremamente arriscado do ponto de vista geopolítico, diplomático e simbólico.
Dentro da balbúrdia desencadeada por Trump, abrem-se oportunidades e ameaças diante do Brasil. China e Rússia são integrantes do Brics e economias importantes, portadoras de muitas oportunidades para o Brasil numa perspectiva pragmática. Se o gesto de Lula busca estimular essa aposta, coloca-nos em frontal oposição à União Europeia, outro parceiro estratégico.
Democracia
Do ponto de vista simbólico, num mundo turbulento, onde o divisor de águas é a questão democrática, não é confortável dividir o palanque da cerimônia com ditadores como o próprio Putin, Xi Jinping, Nicolás Maduro ou Miguel Díaz-Canel, de Cuba.
Tanto no confronto ocidente-oriente quanto na contraposição democracia e autoritarismo, o Brasil não fica bem na foto. O fim da história não chegou. E, diante de mar revolto, paciência e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém