Viver mais e melhor
Conquistas das pesquisas científicas, avanços tecnológicos na educação, nos níveis de renda e nas condições de vida apenas adiam a morte

Como sentenciou García Márquez em “Cem Anos de Solidão”, “nascemos para morrer”. Conquistas das pesquisas científicas, avanços tecnológicos na educação, nos níveis de renda e nas condições de vida apenas adiam a morte. Por isso as populações, ao longo do tempo, estão ficando mais longevas, não obstante, mortais. Será que esses ganhos em anos de vida atingiram todas as pessoas na mesma intensidade?
Um dos pilares do iluminismo é o direito à vida, que deveria ser assegurado a todas as pessoas, independentemente de gênero, raça, religião, status social ou condição econômica. O Estado deveria ser o guardião desse direito.
Sabe-se que as taxas de mortalidade variam segundo a idade das pessoas. Sabe-se também que variam conforme o gênero. Segundo o IBGE, uma mulher nascida em 1940 tinha probabilidade de viver, em média, até 48 anos, enquanto um homem nascido naquele ano poderia chegar aos 45,5, um diferencial de 5,4 anos a favor delas. ados 82 anos, essa diferença se ampliou para sete anos em favor das mulheres. A probabilidade de sobrevivência de um homem nascido em 2022 seria de 73 anos, e a de uma mulher chegaria aos 80 anos.
Pesquisadores do Cedeplar/UFMG e do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), Cássio Turra, Laura Andrade, Paulo Tafner e Sérgio Ferreira deram um o mais ousado, estimando os diferenciais de expectativa de vida por cor ou raça (ver “Expectativa de vida por cor ou raça no Brasil”, no “Estadão”, em 17.12.24), combinando tabelas de expectativa de vida do IBGE com estatísticas de mortalidade do Sistema Único de Saúde (SUS).
Essas diferenças por cor ou raça já são conhecidas nos Estados Unidos. Lá, em 2022, ausente o efeito da Covid-19, a expectativa de vida ao nascer de um branco não latino era de 78 anos, enquanto a de um negro não latino era de 75 anos. No Brasil, o referido estudo mostra que as mulheres brancas nascidas entre 2010 e 2019 atingirão, em média, 80 anos, enquanto os homens brancos não arão de 74 (ganho de seis anos de vida); porém, as mulheres negras chegarão a 76 anos, enquanto os homens negros ficarão nos 69 anos (ganho de sete anos).
Os dados sugerem que os diferenciais de mortalidade entre brancos e negros seriam maiores no Brasil do que nos Estados Unidos. Aqui, como na maioria dos países mundo afora, em média, as mulheres vivem mais do que os homens – inclusive, quando se compara por cor ou raça. Os autores indicam que a menor esperança de vida ao nascer dos negros “é fortemente determinada pelos primeiros 30 anos de vida”, impactados por mortes violentas.
Buscar as causas das diferenças por cor ou raça seria o próximo desafio. Restaria desvendar por que as mulheres, brancas e pretas, vivem mais do que os homens. Por que, nas condições atuais, uma mulher negra, em média, viverá mais do que um homem branco? Toda vida vale viver.